quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

Entrevista com CS Lewis


Inglaterra, em 18 de abril de 1944.

Pergunta: Qual das religiões do mundo confere a seus seguidores maior felicidade?

Lewis: Qual das religiões do mundo confere a seus seguidores maior felicidade? Enquanto dura, a religião da auto-adoração é a melhor. Tenho um velho conhecido já com seus 80 anos de idade, que vive uma vida de inquebrantável egoísmo e auto-adoração e é, mais ou menos, lamento dizer, um dos homens mais felizes que conheço. Do ponto de vista moral, é muito difícil. Eu não estou abordando o assunto segundo esse ponto de vista. Como vocês talvez saibam, não fui sempre cristão. Não me tornei religioso em busca da felicidade. Eu sempre soube que uma garrafa de vinho do Porto me daria isso. Se você quiser uma religião que te faça feliz, eu não recomendo o cristianismo. Tenho certeza que deve haver algum produto americano no mercado que lhe será de maior utilidade, mas não tenho como lhe ajudar nisso.

Pergunta: Os materialistas e alguns astrônomos sugerem que o sistema solar e a vida como a conhecemos foram criados por uma colisão estelar acidental. Qual é a visão cristã dessa teoria?

Lewis: Se o sistema solar foi criado por uma colisão estelar acidental, então o aparecimento da vida orgânica neste planeta foi também um acidente, e toda a evolução do Homem foi um acidente também. Se é assim, então todos nossos pensamentos atuais são meros acidentes – o subproduto acidental de um movimento de átomos. E isso é verdade para os pensamentos dos materialistas e astrônomos, como para todos nós. Mas se os pensamentos deles – isto é, do Materialismo e da Astronomia – são meros subprodutos acidentais, por que devemos considerá-los verdadeiros? Não vejo razão para acreditarmos que um acidente deva ser capaz de me proporcionar o entendimento sobre todos os outros acidentes. É como esperar que a forma acidental tomada pelo leite esparramado pelo chão, quando você deixa cair a jarra, pudesse explicar como a jarra foi feita e porque ela caiu.

Pergunta: A aplicação dos princípios cristãos daria um fim ou reduziria enormemente o progresso material e científico? Em outras palavras, é errado para um cristão ser ambicioso e lutar por progresso material?

Lewis: É mais fácil pensar num exemplo mais simples. Como a aplicação dos princípios cristãos afetaria alguém numa ilha deserta? Seria menos provável que esse cristão isolado construísse uma cabana? A resposta é “Não”. Pode chegar um momento em que o Cristianismo o diga para se preocupar menos com a cabana, isto é, se ele estiver a ponto de considerar a cabana a coisa mais importante do universo. Mas, não há nenhuma evidência de que o Cristianismo o impediria de construir um abrigo. Ambição! Devemos ter cuidado sobre o que queremos dizer com essa palavra. Se for desejo de passar à frente de outras pessoas – que é o que eu penso que quer dizer – então, ela é uma coisa má. Se significar apenas desejo de fazer bem uma coisa, então é boa. Não é errado para um ator querer atuar tão bem quanto possível, mas desejar ter seu nome escrito com uma letra maior do que a de outros atores, isso sim é errado.

Pergunta: Tudo bem em ser General, mas se alguém tiver a ambição de ser General, então não dever ser.

Lewis: O mero evento de se tornar um General não é nem certo, nem errado em si mesmo. O que importa moralmente é sua atitude em relação a isso. O homem pode estar pensando em vencer a guerra; ele pode estar desejando em ser General porque honestamente pensa que tem um bom plano, e ficará feliz em colocá-lo em prática. Isso está ok. Mas, se ele pensa: “O que posso ganhar com esse emprego?” ou “O que devo fazer para aparecer na primeira página do Illustrated News?” então, isso é errado. O que chamamos de ambição, usualmente, significa o desejo de ser mais notável ou mais bem sucedido que outra pessoa. É o elemento competitivo que é nocivo. É perfeitamente razoável querer dançar melhor ou ter uma aparência melhor do que outros – quando você começar a perder o prazer se outros dançarem melhor que você ou tiverem uma melhor aparência, então você está indo na direção errada.

Para quem não o conhece, Clive Staples Lewis, ou simplesmente C.S. Lewis, produziu uma vasta obra literária e é considerado por muitos o maior pensador cristão do século XX - pela sobriedade e lucidez das respostas a seguir dá pra imaginar a razão disto.

Fonte: Glaucia Santana
http://solomon1.com/a/?p=92

domingo, 14 de dezembro de 2008

Sacerdócio e vida


por T. Austin-Sparks

O que é um sacerdote? Ele não é um oficial ou um membro de uma casta religiosa, mas um homem que resiste à morte e ministra vida. O objetivo único e mais abrangente de todos os tempos – o grande propósito de Deus de eternidade a eternidade – pode ser descrito na linguagem do Novo Testamento como vida eterna. Assim que o pecado entrou no mundo surgiu a morte e, então, os homens precisaram de um altar e do derramar de sangue a fim de que o pecado pudesse ser coberto pela justiça e a morte ser vencida pela vida divina. Com o altar surgiu ali a atividade pessoal de um homem chamado de sacerdote, e assim, com o passar do tempo, tal serviço cresceu e cresceu até se transformar em um elaborado ministério sacerdotal.

Como um poder ativo, a morte somente podia ser detida, anulada e removida ao ter devidamente confrontada sua base no pecado. Daí a necessidade do ministério sacerdotal de justiça, a justiça perfeita da vida incorruptível expressa pelo sangue da oferta. Israel devia ser uma nação de sacerdotes, um povo baseado e fundamentado na própria justiça de Deus e, por isso, capaz de encarar a morte e derrotá-la. A Igreja foi chamada para exercer este ministério. O próprio Senhor Jesus previu isto ao dizer: “Portanto, vos digo que o reino de Deus vos será tirado e será entregue a um povo que lhe produza os respectivos frutos” (Mt 21:43). Mais tarde Pedro explicou que os pecadores redimidos se tornaram partici-pantes da vocação espiritual, sendo a “nação escolhida”, o “sacerdócio real”, devendo assumir a grande vocação de serem, da parte de Deus, ministros da vida na terra.

Assim nós descobrimos que, como membros do Corpo de Cristo, nós temos um relacionamento com Ele, o grande Sumo Sacerdote, que é análogo àquele entre Arão e seus filhos, que participavam de seu trabalho sacerdotal. Na carta aos hebreus, a qual trata deste assunto, nós temos uma espécie de Levítico neotestamentário. Nesta epístola, os crentes são denominados tanto de filhos como de “santos irmãos”, como se Cristo nos considerasse Seus filhos – “Eis aqui estou eu e os filhos que Deus me deu” (Hb 2:13). Por meio de nós, portanto, como membros de Cristo, o grande trabalho sumo sacerdotal no céu deve encontrar expressão aqui na terra. Se nós perguntarmos qual é o significado do contínuo trabalho do Senhor como Sumo Sacerdote, a resposta é: trazer vida sobre a morte, anular a operação e reinado da morte espiritual. O maior conflito da Igreja é com a morte espiritual. Quanto mais espiritual um homem se torna, mais consciente ele está da horrível realidade desta batalha contra o maligno poder da morte.

Nenhum sacerdote ou levita do Antigo Testamento jamais tentou se tornar lírico sobre este assunto ou falar em linguagem poética como se a morte fosse algum tipo de amigo. Ah não, eles sabiam ser a morte a grande inimiga de Deus e de todos os Seus interesses. Quando as Escrituras falam da morte como o último inimigo, isto não somente significa que é a última na lista, mas que é o inimigo derradeiro, a expressão completa de toda inimizade.

O efeito do sacerdócio é ilustrado repetidas vezes na Palavra de Deus. Nós observamos a morte adentrando por causa do pecado e, então, Deus intervindo com Sua resposta de vida por meio do sacrifício de sangue. O sangue fala de uma justiça aceita e, por meio disto, o sacerdote estava habilitado a enfrentar a morte, vencê-la e ministrar vida. Finalmente ouvimos falar do Senhor Jesus, que encontrou a morte na concentração de toda sua inimizade, derrotou-a por meio do perfeito sacrifício de sangue da Sua própria vida e, então, deu início à Sua obra sacerdotal de ministrar vida aos crentes.

O sacerdote é um homem que tem autoridade, embora esta seja espiritual e não eclesiástica. Ele tem poder com Deus. O apóstolo João fala do caso de alguém que cometeu um pecado que não leva à morte, e ele diz: “pedirá, e Deus lhe dará vida...” (1Jo 5:16). Esta referência revela que um crente que permanece na base da justiça pela fé por meio do sangue de Jesus pode exercer o poder do sacerdócio em benefício de um irmão que errou e, assim, ministrar vida a ele. Certamente não há ministério mais necessário na terra hoje do que este ministério tão vitalizante. Se nós ministrarmos verdades que não emanam vida, estamos desperdiçando nosso tempo. Deus não nos comissionou para sermos meros transmissores de informação sobre coisas divinas ou professores de moralidade. Ele nos libertou de nossos pecados para que pudéssemos ministrar vida a outros em virtude da autoridade sacerdotal. Vivemos em um mundo onde a morte reina. Diariamente multidões são arrastadas por uma maré de morte espiritual. Por quê? Por causa da injustiça. Precisa-se da atividade daqueles que aceitarão suas responsabilidades sacerdotais, tanto pedindo vida para outros quanto oferecendo vida a eles por meio do evangelho. Nós devemos ministrar Cristo. Não meras doutrinas sobre Ele; não meras palavras ou mandamentos, mas o impacto vital de Cristo em termos de vida. Assim, todo crente é chamado para se posicionar entre os mortos e os vivos dando a resposta de Cristo para as atividades de Satanás.

Não é de se admirar que o reino de Satanás esteve em guerra com Israel, pois a presença desta nação em um relacionamento correto com Deus proclamava efetivamente que o pecado e a morte não reinam universalmente no mundo de Deus, mas foram enfrentados e superados pelo poder de uma vida justa e incorruptível. No fim, Israel perdeu este testemunho e, por conseqüência, o ministério sacerdotal. A Igreja surgiu, então, para dar continuidade a este ministério, sendo não mais um povo localizado em uma terra, mas uma comunidade espiritual espalhada por toda a terra, um povo cuja vocação suprema é manter a vitória de Deus sobre a morte, conforme o testemunho de Jesus. E qual é o testemunho de Jesus? É o testemunho do triunfo da vida sobre a morte. Ele mesmo assim o descreveu a João: “[Eu sou] aquele que vive; estive morto, mas eis que estou vivo pelos séculos dos séculos e tenho as chaves da morte e do inferno” (Ap 1:18).

Este testemunho foi depositado na Igreja e imediatamente os discípulos o apresentaram poderosamente entre as nações. Infelizmente, sob vários aspectos, a Igreja agora está falhando em sua vocação sacerdotal. Esse elemento vital da vida vitoriosa parece estar faltando. As cartas no início do livro de Apocalipse mostram que Cristo não estava satisfeito com as muitas boas atividades, trabalhos zelosos, ensinamentos corretos e persistência na ortodoxia das igrejas. Ele tentou chamá-las de volta à sua verdadeira tarefa de demonstrar o poder de Sua vida vitoriosa em face de qualquer desafio. Que ministério nós queremos? Correr de um lado para o outro assistindo conferências, dando palestras, apoiando o trabalho cristão? Tudo isso pode fazer parte, mas é de pequeno valor se não se encaixar no contexto da batalha sacerdotal contra a morte: trazer o impacto poderoso da vida vitoriosa de Cristo para enfrentar o desafio da morte.

O livro de Apocalipse deixa claro que tal testemunho provoca a animosidade de Satanás, mas tal inimizade deveria ser um elogio para nós, pois significa que nossa vida está realmente fazendo diferença para Deus. O dia em que você ou eu não mais estivermos envolvidos na batalha espiritual será um dia ruim, pois significará que perdemos nossa verdadeira vocação e não estamos mais provendo um desafio real para a morte espiritual, mas estamos fracassando no que tange ao ministério sacerdotal. Por outro lado, o antagonismo doloroso das forças do mal pode ser uma prova clara de que nós estamos verdadeiramente servindo como sacerdotes.

Teste todas as coisas pela vida, a vida que é vitoriosa sobre o pecado, a vida que liberta das cadeias, especialmente da cadeia do medo, a vida que se expressa por meio do amor por pecadores necessitados. João não apenas nos encoraja a orar por vida, mas nos assegura que Deus a dará em resposta a tal oração: “e Deus lhe dará vida, aos que não pecam para morte”. Nós não devemos fracassar em nosso ministério sacerdotal!

sábado, 13 de dezembro de 2008

O triunfo da cruz


"Falamos a sabedoria de Deus, oculta em mistério, a qual Deus ordenou antes dos séculos para nossa glória; a qual nenhum dos príncipes deste mundo conheceu; porque, se a conhecessem, nunca crucificariam ao Senhor da glória" (1 Coríntios 2.7,8).

René Girard, antropólogo, interpreta esta afirmação do apóstolo Paulo dizendo que “Satanás foi enganado pela cruz”: “A sabedoria divina previra, desde sempre, que o mecanismo vitimário seria virado do avesso, desvendado, revelado, desativado nos relatos da paixão, e que nem Satanás, nem as forças poderiam impedir esta revelação. Quando desencadeou o mecanismo vitimário contra Jesus, Satanás julgava proteger o seu reino, defender o seu bem, sem se dar conta de que fazia exatamente o contrário. Fazia, precisamente, aquilo que Deus desejava que fizesse.

Só Satanás podia por em ação, sem suspeitar, o processo de sua própria destruição [...] Deus permitiu a Satanás reinar, durante um certo tempo, sobre a Humanidade, prevendo que, chegado o momento, o venceria ao morrer na Cruz. Graças a esta morte, e a sabedoria divina sabia-o, o mecanismo vitimário seria neutralizado e, longe de se opor eficazmente a este fato, Satanás participa nele sem o saber”.

Girard entende que Satanás aprisiona os homens num sistema de perseguições e sacrifícios, atados a uma necessidade de encontrar bodes expiatórios para suas culpas. Mas enquanto agia por trás do processo que levou Jesus à Cruz, isto é, empurrando uma vítima inocente ao sacrifício, o próprio Satanás pôs sua verdade à disposição dos homens, isto é, desmascarou sua própria mentira, tornou a verdade de Deus universalmente legível.

A “verdade de Deus” revelada na cruz de Cristo pode ser decomposta em duas afirmações. A primeira é que toda violência cometida em nome de Deus é injustificada, pois o sofrimento da cruz é o preço que Jesus aceita pagar para que Deus e a violência se afastem um do outro definitivamente. Jesus Cristo é a única e última vítima sacrificada pela culpa humana.

A segunda é que toda exigência de sacrifício em nome de Deus é injustificada, pois a cruz anula definitivamente a necessidade de fazer vítimas para que a ordem seja estabelecida e ou mantida. O sacrifício de Jesus Cristo na cruz do Calvário desacredita e torna inútil todo outro sacrifício. É por essa razão que a defesa das vítimas se tornou sagrada. Um inocente foi morto de uma vez por todos, para que ninguém, jamais, fosse morto ou sacrificado em nome de Deus ou da ordem. A ordem, agora, se impõe pela defesa das vítimas. Pois Deus se fez um com as vítimas do mal e, no Cordeiro que foi morto e ressuscitou ao terceiro dia, triunfou por toda a eternidade.

Ed René Kivitz, no site da Ibab.

sábado, 6 de dezembro de 2008

SEM SIMPLICIDADE NÃO HÁ CURA E GRAÇA


Fonte: http://www.caiofabio.com/novo/caiofabio/pagina_conteudo.asp?CodigoPagina=0240700007#

O desespero do homem religioso, especialmente do cristão ou do judeu praticantes, é o mais intenso e forte desespero que o coração humano já experimentou. Isso porque esses dois credos religiosos são aqueles que propõem a salvação humana como obra de justiça própria, especialmente de natureza moral.

É verdade que qualquer cristão doutrinado que leia o que acabei de falar dirá imediatamente que isto não é verdade quanto ao Cristianismo e, especialmente, não é verdadeiro em relação ao Protestantismo, em razão de que o arcabouço doutrinário da Reforma postula a salvação pela fé na Graça de Jesus. Todavia, todos sabemos que a doutrina é essa, mas que na prática isto nunca foi verdade para a “igreja”. Sim, porque prega-se essa salvação pela fé apenas como argumento alentador na chegada do “novo-crente”. Porém, no dia seguinte ao da “Decisão de ser Crente”, o indivíduo já começa a ser doutrinado na salvação e na santificação moral e autônoma, realidades essas que cada pessoa tem que conquistar a fim de se manter no posto da salvação pela via de sua irrepreensibilidade moral.

Assim, inicia-se falando o Evangelho como sedução, e, uma vez feito o prosélito, imediatamente ele é transformado num cristão fariseu.

O que segue são barganhas e mais barganhas com Deus, acrescidas de um estado perene de inquietação, nervosismo e culpa — medo de cair... Ou, então, no caso de o indivíduo estar se sentindo “bom” o suficiente para a agradar a Deus pelas suas próprias obras e pela sua própria moral, surge um ser arrogante, nojento e insuportável para a normalidade do convívio humano.

Assim nascem os crentes, tanto os neuróticos pela culpa e pela barganha, quanto também o crente santarado, que é esse ser da “dita-dura”, e que trata com raiva e com inveja aqueles aos quais acusa de serem “pecadores”. Sim, porque nesse caso o espírito de juízo e acusação é proporcional à inveja que se tem da liberdade ou do “pecado” do outro.

Tenho muita pena de ambos os grupos, mas especialmente dos que ficam neuróticos pelo peso das acusações que vêm dos crentes fariseus. A leitura de Mateus 23 nos mostra que, para Jesus, esses tais eram seres profundamente danosos quando estabeleciam contato com outros seres humanos, sempre com a vontade obstinada de desconstruir a individualidade do outro, fazendo deste um clone do crente-boneco-fariseu. “Ai de vós...” — foi o que Jesus repetidamente disse a eles, aos fabricantes de “crentes em série”.

Minha angústia tem a ver com o estado mental adoecido que esses cristãos-fariseus multiplicam e aprofundam a cada novo “discípulo” que fazem. Toda hora atendo “discípulos” desses “cristãos-fariseus” e quase sempre ou os encontro surtados de culpa, medo, débito e pânico de maldição, semi-esquizofrenizados, visto que para se amoldarem à fôrma dentro da qual são postos, a fim de se plastificarem nos moldes “legitimados” pela “religião dos bonequinhos movidos à corda”, tais pessoas precisam matar a si mesmas, aceitando como novo “eu” a caricatura humana proposta pela “igreja”.

Não há alma humana sensível e sincera que aceite tais coisas e não adoeça seriamente. Ora, faz anos que digo isso, bem como faz muito tempo que atendo pessoas sofrendo dos males de alma produzidos pela religião. No entanto, nos últimos anos, a “porteira da alma” se abriu, e a boiada dos angustiados saiu numa corrida atropelada, buscando, aos pinotes de angústia, um pasto de liberdade.

Os vícios mentais incutidos pela religião, todavia, são os mais difíceis de serem removidos e tratados. Isso porque quando você ensina às pessoas acerca da Graça de Deus, a questão que invariavelmente chega, é a mesma: “Mas como pode ser tão simples? Não há mais nada a fazer a não ser confiar que já está pago e viver apenas nesta fé?” — é o que me perguntam.

A pedra de tropeço dos crentes é o Evangelho de Jesus. Sim, são os crentes os que mais dificuldade têm de crer que é apenas crer.

De fato, a maioria sofre da Síndrome de Naamã, o Sírio. Sendo general importante e sofrendo de lepra, foi-lhe recomendado a ir até a presença de Eliseu, o profeta de Samaria. Ao chegar lá, o profeta nem mesmo saiu de casa a fim de atender o general, mas apenas mandou que ele fosse até as águas do Jordão e se lavasse 7 vezes. Naamã não quis ir. Achou simples de-mais. Esperava que Eliseu viesse, lhe prestasse honras, dedicasse a ele um rito, movesse as mãos sobre as feridas dele, e, assim, feitos “os trabalhos”, Naamã fosse declarado curado. De fato, tão contrariado ficou o general, que já estava indo embora quando um de seus servos lhe disse: “Se o profeta tivesse recomendado algo difícil e complicado tu não o farias? Ora, por que não fazes o que ele manda apenas por que é simples?”

O que vejo prevalecer entre os cristãos é que mentalidade do “difícil”, a consciência pagã de Naamã, e os mecanismos de cura pagã, sempre carregados de “correntes e campanhas”, todas baseadas em barganhas com a divindade, sendo que tal pratica é desavergonhadamente chamada de “sacrifício”. Para esses nunca haverá descanso, nem paz e nem a alegria que vem da segurança que se arrima na fé simples.

Enquanto os crentes obedecerem à espiritualidade de Naamã, o Evangelho não produzirá nenhum bem em suas almas!

Toda hora me vêm pessoas que me dizem que não entendem como quando passaram a apenas aceitar a simplicidade do Evangelho de Jesus, e crer que está tudo feito e pago, e que a vida com Deus é simples, e que o andar com Jesus é sereno — pois é fruto da confiança no que Ele já fez por todos nós —, tudo começou inexplicavelmente a mudar para o bem em seus corações. Mas alguns estão tão viciados na barganha com Deus e nos muitos e intermináveis sacrifícios de presença a todos os cultos, células, campanhas, atividades, e muita mão-de-obra dedicada aos líderes da “igreja”, que não conseguem nem mesmo crer que o bem que lhes está atingindo é verdadeiro; pois, para tais pessoas, “não é possível que seja só isto”.

Todavia, é simples mesmo; e bem-aventurados são aqueles que não tropeçam na Pedra de Tropeço e nem na Rocha de Escândalo, que é Jesus, e nem na total simplicidade de Seu Caminho, que é o único Caminho de Paz para a vida.

Quem não crê, que faça seu próprio caminho pelos infindáveis labirintos da religião...

Eu, todavia, me agrado de todo o coração no que Jesus já fez por mim, perdoando todos os meus pecados, me justificando perante anjos, demônios e homens, dando-me a chance de andar com tranqüilidade e paz entre os homens, com o coração pacificado na confiança no amor de Deus, de cujas mãos ninguém e nem coisa alguma pode me arrebatar.

“Quem crê tem...”— disse Jesus. Sim, quem crê tem tudo. Quem não crê, todavia, pode ter tudo — igreja, moral, credo, dogma, sacrifícios, barganhas, etc...—, porém, não terá nem paz e nem descanso, visto que paz e descanso apenas habitam a fé simples, que não pergunta: “Quem subirá aos céus? (isto é: para trazer Jesus à Terra pela encarnação); e nem tampouco diz: Quem descerá ao inferno? (isto é: para dar uma ajudinha a Jesus na ressurreição dos mortos).”

Sim, a fé conforme o Evangelho sabe que a Graça não está longe; ao contrário: sabe que ela está bem perto, na boca e no coração; pois “se com a boca se confessa a Jesus como Senhor..., e, no coração se crê que Deus o ressuscitou dentre os mortos, se é salvo; pois com o coração se crê para obtenção da justiça justificadora de Deus (pela fé), e com a boca se faz a confissão em fé acerca da salvação que já é nossa; e já foi consumada e acabada por Jesus em favor de todo aquele que crê com simplicidade e confiança.

Mas como disse, é essa simplicidade do Evangelho que acaba sendo a Pedra de Tropeço dos crentes. E, assim, deixando a Rocha da Salvação, se entregam às infindáveis barganhas patrocinadas pelos Líderes Fariseus, os quais não contentes em se fazerem filhos do inferno (conforme Jesus disse), ainda desejam corromper a alma de muitos, criando seres atormentados pelas chamas das culpas e acusações do inferno, negando a eles a chance de viverem em liberdade no amor de Deus.

Portanto, saibam todos: sem fé simples e pura, posta em Jesus, confiante no Evangelho da Graça, não há nem paz, nem alegria, nem espontaneidade diante de Deus, e, sobretudo, não há saúde de alma para viver a vida como Vida, e não como tormento sem fim.

Ora, quando é assim a religião se torna a ante-sala do inferno!



Nele, em Quem tudo é simples,



Caio

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Servir: privilégio de poucos

É natural ao coração humano a busca de conforto, status, poder e tudo quanto vem agregado a estas realidades. Tiago, João e sua mãe foram até Jesus solicitar tais privilégios na consumação do reino de Deus. Jesus não disse nem que sim, nem que não, mas aproveitou para reforçar que o reino de Deus é reino de servos e, portanto, os servos são os verdadeiros governantes do mundo. No reino de Deus, o privilégio e o ônus de governar não é das “pessoas importantes”, mas dos servos, até porque, governar é servir. No reino de Deus, a maneira de governar não é exercendo domínio sobre os governados, mas servindo os governados, até porque, governar é servir. Na lógica do reino de Deus, o oposto também é verdadeiro: servir é governar.

Para servir é necessário sair da zona de conforto, isto é, fazer o indesejado, dedicar tempo para tarefas pouco atraentes, assumir responsabilidades desprezadas pela maioria, fazer “o trabalho sujo”, enfim fazer o que ninguém gosta de fazer. Para servir é necessário vencer o orgulho, isto é, se dispor a ser tratado como escravo, ter os direitos negligenciados, ser desprestigiado, sofrer injustiças, conviver com quase nenhum reconhecimento, enfim, não se deixar diminuir pela maneira como as pessoas tratam os que consideram em posição inferior. Para servir é necessário abrir mão dos próprios interesses, isto é, pensar no outro em primeiro lugar, ocupar-se mais em dar do que em receber, calar primeiro, perdoar sempre, sempre pedir perdão, enfim, fazer o possível para que os outros sejam beneficiados ainda que ás custas de prejuízos e danos pessoais.

Não é por menos que em qualquer sociedade humana existem mais clientes do que servos. Servir não é privilégio de muitos. Servir é para gente grande. Servir é para gente que conhece a si mesma, e está segura de sua identidade, a tal ponto que nada nem ninguém o diminui. Servir é para gente que conhece o coração das gentes, de tal maneira que nada nem ninguém causa decepção suficiente para que o serviço seja abandonado. Servir é para quem conhece o amor, de tal maneira que desconhece preço elevado demais para que possa continuar servindo. Servir é para quem conhece o fim a que se pode chegar servindo e amando, de tal maneira que não é motivado pelo reconhecimento, a gratidão ou a recompensa, mas pelo próprio privilégio de servir. Servir é para gente parecida com Jesus. Servir é para muito pouca gente.

A comunidade cristã – a Igreja, pode e deve ser vista, portanto, como uma escola de servos. Uma escola onde aprendemos que somos portadores do dna de Deus, dignidade que ninguém nos pode tirar. Uma escola onde aprendemos que, por mais desfigurado que esteja, todo ser humano carrega a imagem de Deus. Uma escola onde aprendemos a amar, e descobrimos que, se “não existe amor sem dor”, jamais se ama em vão. Uma escola onde aprendemos que “mais bem aventurada coisa é dar do que receber”.

Servir é mesmo privilégio de poucos. De minha parte, preferiria ser servido. Mas aí teria de abrir de mão do reino de Deus. Teria de abrir mão de desfrutar do melhor de mim mesmo. Teria de abrir mão de você. Definitivamente, me custaria muito caro. Nesse caso, continuo na escola.

© 2008 Ed René Kivitz

domingo, 16 de novembro de 2008

Sobre casamento e amor

Não é bom que o homem esteja só.
Far-lhe-ei uma companheira
que lhe seja suficiente.
Gênesis 2.18


Venho me perguntando o que faz as pessoas optarem pelo casamento se contam com outras alternativas para a vida a dois. A justificativa mais comum para o casamento é o amor. Mas devemos considerar que amor é uma experiência cuja definição está em xeque não apenas pela quantidade enorme de casais que “já não se amam mais”, como também pelo número de pessoas que se amam, mas não conseguem viver juntas.

Talvez por estas duas razões – o amor eterno enquanto dura e o amor incompetente para a convivência – nossa sociedade providenciou uma alternativa para suprir a necessidade afetiva das pessoas: relacionamentos temporários em detrimento do modelo indissolúvel. Mas, mesmo assim, o número de pessoas que optam pelo casamento em sua forma tradicional, do tipo “até que a morte vos separe” cresce a cada dia.

Acredito que existe uma peça do quebra cabeça que pode dar sentido ao quadro. Trata-se da urgente necessidade de desmistificar este conceito de amor que serve de base para a vida a dois. Afinal de contas, o que é o amor conjugal? Para muitas pessoas, o amor conjugal é confundido com a paixão. Paixão é aquela sensação arrebatadora que nos faz girar por algum tempo ao redor de uma pessoa como se ela fosse o centro do universo e a única razão pela qual vale a pena viver. Esta paixão geralmente vem acompanhada de uma atração quase irresistível para o sexo, e não raras vezes se confunde com ela. Assim, palavras como amor, paixão e tesão acabam se fundindo e tornando-se quase sinônimas.

Este conceito de amor justifica afirmações do tipo “sem amor nenhum casamento sobrevive”, “sem paixão, nenhum relacionamento vale a pena”, “é o sexo apaixonado que dá o tempero para o casamento”.

Minha impressão é que todas estas são premissas absolutamente irreais e falsas. Deus justificou a vida entre homem e mulher afirmando que não é bom estar só. Nesse sentido, casamento tem muito pouco a ver com paixão arrebatadora e sexo alucinante. Casamento tem a ver com parceria, amizade, companheirismo, e não com experiências de êxtase. Casamento tem a ver com um lugar para voltar ao final do dia, uma mesa posta para a comunhão, um ombro na tribulação, uma força no dia da adversidade, um encorajamento no caminho das dificuldades, um colo para descansar, um alguém com celebrar a vida, a alegria e as vitórias do dia-a-dia. Casamento tem a ver com a certeza da presença no dia do fracasso, e a mão estendida na noite de fraqueza e necessidade. Casamento tem a ver com ânimo, esperança, estímulo, valorização, dedicação desinteressada, solidariedade, soma de forças para construir um futuro satisfatório. Casamento tem a ver com a certeza de que existe alguém com quem podemos contar apesar de tudo e todos ... a certeza de que, na pior das hipóteses e quaisquer que sejam as peças que a vida possa nos pregar, sempre teremos alguém ao lado.

Nesse sentido, não é certo dizer que sem amor nenhum casamento sobrevive, mas sim que sem casamento nenhum amor sobrevive. Não é certo dizer que sem paixão, nenhum relacionamento vale a pena, mas sim que sem relacionamento nenhuma paixão vale a pena. Não é o sexo apaixonado que dá o tempero para a vida a dois, mas a vida a dois que dá o tempero para o sexo apaixonado. Uma coisa é transar com um corpo, outra é transar com uma pessoa. Quão mais valiosa a pessoa, mais prazeroso e intenso o sexo. Quão menos valorizada a pessoa, mais banal a transa.

Assim, creio que podemos resumir a vida a dois, entre homem e mulher, conforme idealizada por Deus, em três palavras que descrevem um casal bem sucedido...

Um casal bem sucedido é um par de amantes.

Um casal bem sucedido é um par de amigos.

Um casal bem sucedido é um par de aliados.

São três letras A que fornecem a base de uma relação duradoura. Amante se escreve com A. Amigo se escreve com A. Aliado se escreve com A. E não creio ser mera coincidência o fato de que todas as três, amante, amigo e aliado, se escrevem com A... A de AMOR.

© 2008 Ed René Kivitz

sábado, 15 de novembro de 2008

A oração simples


Não existe oração errada. Aliás, a oração errada é aquela que não é feita. A Bíblia Sagrada ensina que se deve orar a respeito de tudo. Orar por qualquer motivo, qualquer hora, qualquer lugar, sempre que o coração não estiver em paz. Tão logo o coração experimente apreensão, preocupação, medo, angústia, enfim, seja perturbado por alguma coisa, a ação imediata de quem confia em Deus é a oração.

O apóstolo Paulo diz que não precisamos andar ansiosos por coisa alguma, mas em tudo, pela oração e súplicas, com ação de graças, devemos apresentar nossos pedidos a Deus, tendo nas mãos a promessa de que a paz de Deus que excede todo o entendimento, guardará nossos sentimentos e pensamentos em Cristo Jesus (Filipenses 4.6,7). A expressão “coisa alguma” inclui desde uma vaga no estacionamento do shopping center quanto o fechamento de um negócio, o desejo de que não chova no dia da festa quanto a enfermidade de uma pessoa querida.

Esta experiência de oração é chamada de oração simples: orar sem censura filosófica ou teológica, orar sem se perguntar “é legítimo pedir isso a Deus?” ou “será que Deus se envolve nesse tipo de coisa?”. Simplesmente orar.

A garantia que temos quando oramos assim é a paz de Deus em nossos corações e mentes. A Bíblia não garante que Deus atenderá nossos pedidos exatamente como foram feitos: pode ser que a vaga no estacionamento não seja encontrada e que chova no dia da festa. A oração não se presta a fazer Deus trabalhar para nós, atendendo nossos caprichos e provendo o nosso conforto. Já que a causa da oração simples é a ansiedade, a resposta de Deus é a paz. O resultado da oração não é necessariamente a mudança da realidade a respeito da qual se ora, mas a mudança da pessoa que ora. A mudança da situação a respeito da qual se ora é uma possibilidade, a mudança do coração e da mente da pessoa que ora é uma realidade. Deus não prometeu dizer sim a todos os nossos pedidos, mas nos garantiu dar paz e nos conduzir à serenidade. Não prometeu nos livrar do vale da sombra da morte, mas nos garantiu que estaria lá conosco e nos conduziria em segurança através dele.

O maior fruto da oração não o atendimento do pedido ou da súplica, mas a maturidade crescente da pessoa que ora. Na verdade, a estatura espiritual de uma pessoa pode ser medida pelo conteúdo de suas orações. Assim como sabemos se nossos filhos estão crescendo observando o que nos pedem e o que esperam de nós, podemos avaliar nosso próprio crescimento espiritual através de nossos pedidos e súplicas a Deus. As orações revelam o que realmente ocupa nossos corações, o que realmente é objeto dos nossos desejos, o que nos amedronta, nos desestabiliza e nos rouba a paz.

O apóstolo Paulo diz que quando era menino, falava como menino, pensava como menino e raciocinava como menino. Mas quando se tornou homem, deixou para trás as coisas de menino (1Coríntios 13.11). Não existe oração certa e errada. Mas existe oração de menino e oração de homem. Oração de menina e oração de mulher. A diferença está no coração: coração de menino e de menina, ora como menino e menina. A nossa certeza é que Deus também gosta de crianças.

© 2008 Ed René Kivitz

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

A sabedoria dos rabinos


Duas leis a respeito da administração de riquezas

Outro dia um casal amigo precisou de subsídios para decidir a venda de um dos seus imóveis. Na verdade, era bem mais do que um imóvel, era uma propriedade que simbolizava anos de sua parceria conjugal, um lugar muito especial, daqueles feitos a quatro mãos com todos os detalhes contando uma história. Depois de conversar ao telefone, dediquei alguns instantes à oração e depois escrevi para eles um texto resumindo algumas coisas interessantes que aprendi com os rabinos, com referência especial a Nilton Bonder, A cabala do dinheiro, a respeito de propriedades e posses. Duas especialmente.

A primeira é a "lei do máximo proveito", que diz que o justo não abre mão do que é seu, mas percebe quando o que é seu lhe representa maior ganho não mais sendo seu. O justo passa adiante sua propriedade quando esta transação de transferir a posse lhe proporciona mais prazer, conforto e retorno. Isto é, o justo sabe quando o máximo proveito de uma propriedade está em abrir mão dela.

Conta-se que o Reb Zalman foi abordado por uma pessoa que ficou maravilhada pelas cores do seu manto. A reação dessa pessoa foi tão intensa que o Reb Zalman ofereceu-lhe o manto de presente. O Reb percebeu que a pessoa havia ultrapassado o limite de desejo e naquele instante houve uma mudança sutil no nível de "direito de propriedade". Reb Zalman poderia ter retido o manto, mas não quis, pois já não lhe pertencia mais, isto é, o máximo proveito que ele poderia extrair de sua propriedade naquele momento era ofertá-la.

Em outras palavras, existe no universo uma cadeia ou fluxo de posses, e a riqueza do universo consiste em entrar na onda desse fluxo, sem represar nem desperdiçar nada. A gente tem que saber quando uma propriedade começa a desequilibrar o universo ficando em nossas mãos. Às vezes, abrir mão de uma propriedade é uma forma de alimentar esse fluxo de riquezas que gera mais riquezas para nós e para as pessoas ao nosso redor. Lembro de uma expressão que muito me desafia: "Quando você tem uma coisa que não pode entregar nas mãos de Deus, na verdade não é você quem tem a coisa, é a coisa quem tem você". E quando uma coisa tem a gente, é muito perigoso ficar com ela na mão. O melhor proveito está em abrir mão daquilo. Sempre digo a Deus que não quero deixar de lado qualquer coisa que Ele queira me dar, mas também não quero ter nas mãos qualquer coisa que não tenha sido abençoada por Ele.

O outro ensinamento dos rabinos trata do que eu chamo de "lei do enriquecimento integral". Todos nós temos várias contas correntes: saúde, caráter, relacionamentos, dinheiro, realização, conforto, tranqüilidade, sono, coração e consciência em paz, e assim por diante. O enriquecimento integral acontece quando a gente consegue fazer com que todas as contas cresçam ao mesmo tempo. O justo jamais saca da conta caráter para depositar na conta corrente; jamais saca da conta família para depositar na conta realização pessoal. Mais do que isso, o justo sabe quais das contas sacrificar mais e quais sacrificar menos. Isto é, na hora de escolher entre perder dinheiro e perder a integridade, o justo sempre perde dinheiro.

Esse ensinamento me traz duas considerações. A primeira é que o bem estar pessoal e familiar, o conforto, a tranqüilidade e a paz de espírito são riquezas imensuráveis. Não devemos nem precisamos abrir mão de uma vida confortável. Apenas devemos cultivar um coração capaz de viver no desconforto sem murmurar e sem permitir que isso nos infelicite. Tem gente, por exemplo, que prefere perder dinheiro que perder a paz de espírito, a pureza da consciência e leveza do sono. Prefere abrir mão de uma propriedade que comprometer seu ambiente familiar com ansiedade e o stress de uma dívida ou de uma vida com inquietações desnecessárias ou que poderiam ser evitadas. Em outras palavras, todos nós devemos fazer uma lista de valores inegociáveis. Caso você não a tenha, é bom providenciar com urgência, e depois verificar se Deus concorda com ela.

A segunda aplicação é que sempre devemos fazer distinção entre perda e transferência. Às vezes, queimamos riquezas de uma conta para cobrir os déficits de outra. Mas há casos quando transferimos fundos. Como sabemos a diferença? Quando o depósito numa conta não é uma forma de gerar mais riqueza, então estou pagando dívida. Mas quando o depósito em uma conta gera mais riqueza, então estou fazendo investimento, alavancando resultados, multiplicando recursos e fazendo transferência de fundos. Precisamos discernir quais as contas estão desequilibradas ou precisando de um reforço. E precisamos saber de qual conta vamos sacar o necessário para promover o equilíbrio ou potencialização.

Por exemplo, vale a pena ser promovido para ter um percentual de aumento de salário e partir da nova função ter que viajar e passar a semana longe da família? A recusa do novo cargo acarreta danos aos meus projetos profissionais, e caso positivo, ainda assim, vale a pena ficar longe de casa? Ou, então, esse é mesmo o momento de iniciar uma pós-graduação? Quais as contas ficarão descobertas ou sofrerão saques durante este período? Será que vale mesmo a pena comprar um terreno que vale 70 mil reais sendo que para conseguir os tais 70 mil eu vou me comprometer com dois plantões semanais durante dois anos? Às vezes precisamos dedicar mais atenção à conta "trabalho", em detrimento de outras, porque o momento exige, e de vez em quando precisamos colocar a conta trabalho em segundo plano para cuidar da conta "filhos" ou "cônjuge".

Portanto, para administrar posses, sempre me pergunto se terei mais ganho retendo ou transacionando (comprando, vendendo, doando) o objeto? No caso optar por transacionar o objeto, de qual(ais) conta(s) estou sacando e em qual(ais) conta(s) estou depositando? Esta transação do objeto é uma queima de gordura para quitar débitos, um desperdício de recursos, ou uma forma de investimento para alavancar mais riquezas (em todas as dimensões)?

© 2008 Ed René Kivitz

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

UM PRESIDENTE NEGRO NA CASA BRANCA




















http://www.mariopersona.com.br/cafe/archives/00000240.htm

Achei estranho, muito estranho. Aquilo não era para estar
acontecendo. Na minha opinião os Estados Unidos cometiam um grande
erro ao enterrar seus cidadãos daquele jeito.

Coloquei mais força nos pedais da bicicleta para deixar para trás
a rua que dividia os mortos. Eu tinha acabado de descobrir, no
cemitério perto de casa, em Carthage, Missouri, que de um lado da
rua enterravam os brancos e do outro os negros. Em 1972, aos 16
anos, segregação assim era novidade para mim.

Eu sei que no Brasil existia, só que não amparada por lei ou
religião. Nos EUA a segregação tinha sido abolida no papel dois
anos antes, mas continuava na prática. Na McAuley High School,
escola particular católica onde eu estudava, não encontrei um aluno
negro.

A supremacia branca, defendida por alguns cristãos norte-
americanos, teve sua origem na mitologia pagã anglo-saxônica e
influenciou o pensamento de personalidades tão diferentes quanto
Hitler, Monteiro Lobato e Alan Kardec. Mas na Roma de Constantino a
mistura de elementos cristãos e pagãos já era incentivada, visando
homogeneizar a religião no império. Quem visita o Vaticano encontra
imagens que nada mais são do que representações ou estátuas
recicladas de deuses pagãos, como a de Júpiter, que ocupa o lugar
de São Pedro.

A segregação também tem o respaldo de interpretações equivocadas
da Bíblia, em especial da história dos filhos de Noé. Séculos antes
de católicos e protestantes usarem seu texto para endossar práticas
escravagistas, judeus e muçulmanos já interpretavam o Antigo
Testamento assim. Os árabes foram os primeiros a escravizar negros
etíopes, criando um precedente para a escravidão ditada pela cor da
pele.

A própria Bíblia coloca em xeque essas interpretações, quando
descobrimos que a esposa de Moisés era negra. O bebê Moisés foi
salvo das águas por uma princesa egípcia, cuja aparência estava
mais para a da irmã de Barack Obama do que para a holandesa Nina
Foch, que interpretou a princesa no hollywoodiano "Os Dez
Mandamentos" de Cecil B. DeMille. E não podemos nos esquecer de que
José, Maria e o bebê Jesus encontraram abrigo entre os habitantes
do norte da África.

Mas o maior embaraço para qualquer caucasiano que pretenda usar a
Bíblia para justificar a supremacia branca está na história da
conversão do eunuco, oficial da rainha da Etiópia, no livro de
Atos. O primeiro não-judeu a se converter à fé cristã e a propagar
o cristianismo na África foi um negro. Numa época quando os
bárbaros brancos da Europa ainda ofereciam sacrifícios humanos aos
seus deuses, muitos africanos já falavam de Jesus.

A eleição de Barack Hussein Obama à presidência da maior potência
do planeta muda muita coisa. Para começar, será preciso rever
alguns conceitos de marca e pesquisas de opinião. Há alguns anos
qualquer pesquisa daria como zero a probabilidade de um negro ser
presidente dos EUA.

Depois do 11 de setembro, então, alguém chamado Hussein ou Obama
tinha mais chances de ir parar em Guantánamo do que na Casa Branca.
Ora, os norte-americanos chegaram até a boicotar a mostarda
French's, só porque os franceses não apoiaram a invasão do Iraque.
A questão é que "French" não vem de "francês", mas é o sobrenome do
criador da marca norte-americana de temperos.

O primeiro desafio de Obama foi vencer a segregação dos brancos.
Agora vai precisar vencer a decepção de alguns negros que esperam
uma reversão no tratamento preferencial. Ralph Nader, o perdedor
independente, já insinuou que Obama está mais para "Uncle Tom" do
que para "Uncle Sam". Lá a expressão "Uncle Tom" é pejorativa, e
significa um negro subserviente ao domínio do branco.

Venha o que vier, acho que Abraham Lincoln teria gostado de viver
estes dias. Ele, que combatia a escravidão, um dia encontrou um
político que reclamou de suas idéias. Lincoln argumentou mais ou
menos assim:

"Se você diz que o de pele mais clara pode escravizar o de pele
mais escura, é melhor tomar cuidado. Você pode acabar escravo do
primeiro que encontrar que tiver a pele mais clara do que a sua. Se
não for apenas uma questão de cor, mas de superioridade
intelectual, que você acredita ser característica dos brancos,
então você pode acabar escravizado por alguém mais inteligente do
que você."

---
Mario Persona www.mariopersona.com.br é escritor, palestrante e
consultor de comunicação e marketing.

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

CRUCIFICADO PARA O MUNDO RELIGIOSO


T. Austin-Sparks

“Mas longe de mim esteja gloriar-me, a não ser na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo, pela qual o mundo está crucificado para mim, e eu para o mundo”. Gálatas 6.14

É interessante notar a maneira particular na qual o apóstolo Paulo fala a respeito deste mundo. O termo empregado é bastante abrangente e inclui muitas coisas. Aqui Paulo vai direto ao espírito da coisa. Você percebe isto pelo contexto; e é bom considerarmos o assunto: “Pois nem esses mesmos que se circuncidaram guardam a lei; mas querem que vos circuncideis, para se gloriarem na vossa carne.” Gálatas 6.13

O que o apóstolo quer significar? Eles falam, “Vejam quantos prosélitos temos feito! Vejam quantos seguidores e discípulos temos! Vejam o sucesso do nosso movimento! Vejam quão fortes estamos ficando no mundo! Vejam todas as bênçãos divinas repousando sobre nós!” O apóstolo diz que é experimentado nos princípios morais e espirituais deste mundo. Porém ele renuncia a tudo isso. “Procuro eu glória de homens?” “Procuro eu o favor dos homens?” “Não! O mundo está crucificado para mim, e eu para o mundo”.

Todas estas coisas não têm valor algum para mim. O que vale para mim não é se o meu movimento está tendo sucesso, se eu estou obtendo muitos seguidores; o que vale para mim é a medida de Cristo nos meus irmãos; “Meus filhos, pelos quais de novo sinto as dores do parto até que Cristo seja formado em vós” (Gal. 4.19)

Cristo formado em você – este é o meu interesse, diz Paulo, ...e não grandiosidade, popularidade, a fim de que digam ...este é um ministério de sucesso; um movimento de sucesso. Tudo isso é mundano. Eu estou morto para todas essas coisas; estou crucificado com Cristo para tudo isso. O que realmente importa é Cristo – a medida de Cristo em você.

Veja como o mundo avança gradualmente ... e como nós, imperceptivelmente, podemos nos deixar levar por essas coisas – pela maneira como as pessoas pensam e conversam; o que elas irão dizer, as atitudes que irão tomar, da medida de nossa popularidade, do nosso sucesso. Tudo isso é o mundo, diz o apóstolo; o espírito do mundo; é como o mundo age. Esses são os valores aos olhos do mundo, mas não aos olhos do Cristo ressurreto. Para a nova criação, que está do lado da ressurreição da cruz, uma só coisa determina o que tem valor: a medida de Cristo em tudo.

Absolutamente nada mais tem valor, não importa quão popular possa ser, quão favoravelmente os homens possam falar sobre; do lado da ressurreição isso tudo não tem qualquer importância. O que interessa é quanto de Cristo há. Você e eu, na cruz do Senhor Jesus, devemos chegar ao ponto onde estejamos crucificados para todas essas coisas. Ah, você pode ser impopular, e sua obra pode ser muito pequena. Podem não haver aplausos; e o mundo pode te desprezar; mas em tudo deve haver algo de Cristo, e é nisto que devemos colocar os nossos corações. O Senhor nos dá graça para esta crucificação. Há poucas coisas mais difíceis do que ser desprezado; mas Ele foi desprezado e rejeitado pelos homens. O que uma coisa representa perante os olhos do Senhor, isto deve ser o nosso padrão. É o padrão da ressurreição. Esta é a vitória da cruz:

“Mas longe de mim esteja me gloriar, a não ser na cruz de Cristo, pela qual o mundo está crucificado para mim, e eu para o mundo.” Gálatas 6.14

domingo, 2 de novembro de 2008

Caetano e Cristo


Quem pensa que sabe como são os africanos nunca imaginaria que Mia Couto fosse natural do continente negro. O romancista mais celebrado de Moçambique é branco, enche seus livros do realismo mágico da tradição latino-americana e tem um estilo que lembra Guimarães Rosa. Foi contado entre os melhores escritores africanos do século 20.

Em entrevista recente ao Estadão, perguntaram-lhe se há influência brasileira em sua literatura. Respondeu: “Sim. Ela veio justamente da música de Chico, de Caetano. Muitos músicos moçambicanos tinham tentado cantar em português, mas o português duro, rápido, de Portugal, não tinha musicalidade. Aí ouvimos Chico, Caetano, Gil e descobrimos que o português poderia ser outra coisa. Foi uma descoberta.”

Talvez tenha sido crítico demais ao português dos fadistas e trovadores, mas a descoberta de que a língua da mera comunicação corriqueira poderia ser também a língua da poesia e dos sonhos abriu-lhe um novo mundo. Muitos anos mais tarde, o comitê Nobel também reconheceu que a língua portuguesa possui a maleabilidade necessária para ser talhada por alguém com o talento de José Saramago. Aqueles que se importam com os idiomas enxergam na nossa gramática, nos nossos vocábulos e na nossa sintaxe as ferramentas para criar e perpetuar aquilo que só existe na língua. O português pode ser usado para emocionar, agregar e inspirar.

Como cristãos, temos o privilégio de servir e adorar a um Deus literário. A linguagem da Bíblia evidencia sua preocupação com a arte de expressar-se. Há nela não apenas a Verdade Revelada, mas as múltiplas verdades reveladas por meio de uma riqueza estonteante de poemas, acrósticos, canções, parábolas, paralelismos, hipérboles, metáforas, figuras de linguagem e artifícios da retórica. Não resta a menor dúvida de que Deus — o Verbo — se relaciona conosco através da Palavra, e que esta palavra tem forma intencional, bela e artística. Leland Ryken afirma que “os escritores da Bíblia e o próprio Jesus Cristo perceberam que é impossível comunicar a verdade de Deus sem usar os recursos da imaginação. A Bíblia faz muito mais que apenas sancionar o uso da arte. Ela demonstra que a arte é indispensável (“The Imagination as a Means of Grace”, Communiqué, 2003).

Penso, às vezes, que a linguagem usada em muitas igrejas é como o português “duro e rápido” que Mia Couto ouvia quando criança. É utilitária, descritiva e funcional, mas carece do tipo de imagística e musicalidade que despertam a alma. Como pastores e líderes, concentramo-nos no conteúdo de nossas doutrinas em detrimento de sua forma. Esquecemos que a Bíblia não divide a arte em sacra e secular. Nela, a arte possui valor igual tanto em ambientes de louvor quanto do cotidiano (Nm 21.16-18; Is 16.10; 52.8-9).

Como seria se nossos pastores se importassem tanto com a linguagem quanto se importam Chico, Caetano e Gil, assim também como Davi, Salomão e Jesus? Tenho a impressão que, se a poesia de nossas teologias saturasse as nossas palavras, os muitos Mias Coutos das nossas congregações de repente ouviriam algo diferente, algo novo, capaz de agarrar suas imaginações, inspirar-lhes e enviar-lhes correndo de volta à Palavra, fonte de nossa inspiração.

Mark Carpenter, na revista Ultimato.

Via PavaBlog

sexta-feira, 31 de outubro de 2008

O Bom Samaritano


O Bom Samaritano: O Trabalho de quem Descansou - Marcelo Quintela






quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Fiel, fidelidade e nós


Por: Volney Faustini

- Deus é Fiel ...

Apontando para o pára-choque do ônibus, meu amigo lê os dizeres e pede que eu explique.

- Isso não tem explicação. Talvez para o motorista ou o dono, isso seja mais funcional: serve de amuleto.

- Ah sim ... Mas é uma afirmação estranha. Quem veio com essa?

- Dizem que a origem é da Igreja Renascer. O que já revela a Teologia deles, eu respondo, torcendo para que a conversa se encerre.

- E que raios de Teologia é essa que coloca o ônus sobre Deus, e não sobre as criaturas? Ele me confronta.

- É talvez Freud explique – eu retruco. E começo a elaborar um pensamento.

- Volney, vou dizer o que penso como leigo e cara que não quer saber das coisas de igreja. Isso é uma tremenda palhaçada. Quem tem que ser fiel somos nós. O que Deus é, imagino eu, é Ele e pronto. Se Ele quiser Ele faz o que lhe der na cabeça. Agora nós, do nosso lado não podemos, ou não poderíamos agir assim. Até porque se você parte dessa idéia, de que Ele é fiel, então significa que você não precisa ser fiel. E se você for infiel ou fiel – tanto faz – o que o homem acaba fazendo é corpo mole e cair na infidelidade – certo?

- Certo, eu acho que ...

- Então, esse negócio de desviar a atenção do foco do problema, que somos nós: eu, você, eles ... passamos a mirar em Deus. Deus não é a solução desse jeito. Deus é um álibi. Esquecemos de olhar para nós, com os nossos defeitos e imperfeições, e ficamos numa boa, e colocamos nas costas de Deus - já que Ele é fiel, e pode carregar o nosso pêso. Você me entende? E assim Ele vai manter a fidelidade, porque essa característica de Deus ...

- Atributo, eu interrompo.

- ... esse atributo dEle, é um salvo conduto. E eu, como homem, ser humano - seja por atributo,ou por malandragem do homem, eu não vou tocar na questão moral da minha fidelidade. A não ser que ...

- A não ser o que? - pergunto eu muito incomodado com a sua contundente análise.

- A não ser que venha o chaveco da grana. Aí passamos da contrapartida daquilo que queremos que Deus seja - no caso Deus é fiel, condicionante: se! Para exigir do rebanho fidelidade financeira. Eles dizem: 'se você entrar com a grana'. E é nesse momento que eles explicam as letrinhas pequenas do contrato. Eles dizem: você vai ter que ser fiel na grana, porque senão, eu não posso segurar o Homem lá em cima, para continuar sendo fiel! Você percebe o nó?

Fonte: http://volneyf.blogspot.com/2008_10_01_archive.html

Há controvérsias


Gostamos de afirmações categóricas, declarações definitivas e certezas. Não gostamos de perguntas, considerações provisórias, dúvidas, debates e discussões. Gostamos de respostas prontas e critérios claramente definidos. Não gostamos de probabilidades, possibilidades e indicadores relativos. Gostamos de "isso ou aquilo". Não gostamos de "isso e aquilo". Gostamos de "certo e errado". Não gostamos de "nem certo, nem errado", apenas diferente.

Deus é amor. Deus é justiça. Quando, então, devemos agir com amor, e quando devemos optar pela justiça? Exigimos: uma coisa ou outra, categoricamente, sem necessidade de interpretações. Dizer que somente a ação amorosa é justa e somente a ação justa é amorosa deixa margens para mal entendidos e, consequentemente, confusão. Melhor é escolher entre uma coisa e outra; as duas, não dá. Ou amor. Ou justiça.

Talvez por isso sejam poucos os que se aventuram pelas trilhas do discipulado de Jesus. Seguir a Jesus implica abandonar o jugo da lei para buscar a justiça do reino de Deus. A justiça sempre extrapola a lei. O ser humano é complexo demais para que suas ações sejam resumidas a um conjunto de "isso pode e isso não pode". A vida é complexa demais para que tenha suas circunstâncias definidas em termos absolutos por mandamentos, regras e normas de procedimento. A vida não cabe num manual.

Responda rápido: meu filho adolescente não está bem na escola. Devo ser duro na disciplina ou compreensivo nesta fase de conflitos e mudanças? Estou absolutamente convencido de algo, mas minha esposa não quer assumir riscos. Devo seguir em frente e fazer a coisa sozinho ou devo esperar um pouco mais para tentar chegar a um consenso? Meu marido não agüenta mais a pressão no trabalho. Devo encorajar que ele peça demissão e cuide de sua saúde psíquica e emocional ou devo ajudá-lo a superar essa fase difícil, lembrando a dificuldade que é arrumar um outro emprego? Meus pais se intrometem demais na educação que dou aos meus filhos. Devo ter uma conversa franca com a mamãe e arrumar uma tremenda confusão ou devo continuar pedindo ao meu marido que compreenda minha situação e administrar nosso conflito conjugal? Meu amigo me confessou um pecado. Devo contar a quem de direito e forçar a solução da situação ou devo dar a ele o tempo de que precisa para tomar providências – quanto tempo devo dar a ele? Descobri uma falcatrua na empresa. Devo colocar a boca no mundo e denunciar os colegas ou devo ficar quieto, deixando que os responsáveis cuidem do problema? Tenho um ótimo funcionário que compromete o ambiente da equipe. Devo manter o funcionário e sacrificar a equipe ou preservar a equipe e sacrificar o funcionário? Meu pai está em tratamento médico. Devo vigiar rigorosamente seus hábitos alimentares ou devo deixar que ele faça uma extravagância de vez em quando?

Pois é, a vida é assim. As coisas que realmente importam não têm respostas fáceis, nem exatas, nem podem ser padronizadas em conselhos do tipo “faça sempre assim” ou “nunca faça isso”. Tomar decisões é uma arte que carece de boa consciência. E a boa consciência não é aquela que sabe, é aquela que ama. Como bem disse Santo Agostinho, “ama, e faze o que quiseres”, o que significa que quando a gente ama não existe certo e errado, certo? Há controvérsias.

13/5/2008

Fonte: http://www.galilea.com.br/blog.asp

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

QUAL É A VONTADE DE DEUS PARA MIM?

Obviamente a vontade de Deus é de Deus.

Sim! A vontade Dele é Dele; e de mais ninguém.

Jesus disse que comia a vontade do Pai, que se alimentava dela.

Ora, se eu tenho muitas vontades e se as exerço de modo pessoal e incompartilhavel, que não dizer da vontade de Deus?

“Quem conheceu a mente do Senhor?”

Além disso, o que me separa de Deus em todos os sentidos possíveis é infinitamente mais do que o que separa de um organismo mono-celular.

Assim, Deus se revela às amebas como as amebas podem processar.

Ora, o mesmo Deus faz com os homens!

O problema é o surto humano. Sim! O homem crê que é “capaz de Deus”, e, sobretudo, de dizer aos outros humanos qual seja a vontade de Deus para o outro.

A vontade de Deus é uma só: que nos amemos uns aos outros!

Deus não tem planos profissionais para ninguém. Nem de qualquer outra natureza tópica. O plano de Deus, não importando onde eu esteja, é que eu ame e pratique o amor. O resto é insignificante!

É o que Paulo diz quando afirma: “... ainda que eu...” fale línguas de homens e anjos, ou profetize, ou saiba todas as ciências e adquira todas as sabedorias, ou me entregue às praticas de martírio ou de entrega social de todas as minhas produções aos demais homens necessitados, mas, “se não tiver amor, nada me aproveitará”; e mais: nada será vontade de Deus.

Paulo nunca discutiu nada disso. Sabia fazer tendas. Mas era chamado para pregar. Por isso, tendo dinheiro para entregar-se apenas à pregação, assim fazia. Mas se não tinha, então, fazia tendas, e, pregava nas horas possíveis.

Ou seja:

Paulo tratava tudo com simplicidade, pois, a vontade de Deus era amor, e, amor, cabe em qualquer oficina de tendas.

As pessoas perguntam, referindo-se aos detalhes da vida, como se eu ou qualquer outro ser ameba humano pudéssemos responder: Qual é a vontade de Deus para a minha vida?

Ora, eu posso responder, mas a resposta que tenho a dar não satisfaz as pessoas que querem saber a vontade de Deus como um guia afetivo e profissional das jornadas na Terra.

Então, não sei!... Afinal, nessas coisas, à semelhança de Paulo, apenas uso o bom senso para decidir, e nunca o faço como quem consulta um “guia de jornada”, mas apenas como uma decisão de agora, da circunstancia do existir; e isto, sempre, apenas conforme o espírito do Evangelho, que é amor.

A vontade de Deus são os Seus mandamentos, embora Jesus tenha nos dito que até os mandamentos, sem que sejam vividos em amor, são desagradáveis a Deus; pois, sem amor, todo mandamento não passa de presunção e arrogância.

A vontade de Deus é amor, alegria, paz, bondade, longanimidade, mansidão e domínio próprio!

Se você faz isso entregando o lixo, operando na mais rica clinica de neurocirurgia, ou se o faz pregando como um ensinador da Palavra, não importa; pois, a única coisa que importa para Deus é se você vive ou não o amor como o mandamento de seu ser.

O que Deus quer de mim? Onde quer que eu trabalhe? Com quer que eu case?

Ora, Jesus não respondeu tais perguntas a ninguém!

Quando Pedro quis saber... Jesus apenas disse: “Que te importa? Quanto a ti, vem e segue-me”.

Quanto mais a pessoa se dispõe a andar em amor e fé, sem buscar mais nada, tanto mais ela encontrará uma sintonia fina com Deus e com a vida, e, assim, sem que ela sinta, irá sendo posta no leito do rio de sua própria vida.

É claro que Deus tem a vontade que diz “não”. Mas essa é a não-vontade de Deus. É o que Deus não quer, pois, é o que Deus não é.

Deus não é mentira, nem engano, nem ódio, nem cobiça, nem traição, não injustiça, nem maldade, nem indiferença, nem descrença, nem altivez, nem orgulho, nem arrogância, nem vaidade, nem medo e nem frieza de ser.

Assim, a tais coisas Deus diz “não”, mas não como quem diz a Sua vontade, mas apenas aquilo que não é vontade Dele.

Portanto, a vontade de Deus não é “não”, mas “sim”, embora a maioria apenas pense na vontade de Deus como negação.

Ou seja:

Para tais pessoas Deus é Aquele que diz “Não”.

A proporção, todavia, continua idêntica à que foi estabelecida no Éden. Pode-se comer de tudo, e, apenas diz-se não a uma coisa: inventar a nossa vontade contra essa única coisa à qual Deus disse “não”.

Todas as árvores do Jardim são comestíveis, mas, continuamos discutindo a única arvore proibida, tamanha é a nossa fixação na transgressão como obsessão na vida.

Entretanto, a vontade de Deus é sim, e, para aqueles que desejam fazer a vontade de Deus, e não apenas discuti-la, Deus revela Sua vontade como fé e amor, e, nos diz que se assim vivermos provaremos tudo o que é bom, perfeito e agradável, não porque a vida deixe de doer, mas apenas porque o pagamento do amor transcende a toda dor.

A vontade de Deus é que eu desista das coisas de menino nesta vida e abrace as coisas de um homem segundo Deus.

Agora, se você vai trocar de casa, de carro, de mulher, de emprego, de cidade, de país, de nome — sinceramente, é melhor consultar um bruxo, uma feiticeira ou um profeta que aceite pagamento para contar tal historinha.

Você pergunta a Jesus:

Senhor, qual é a Tua vontade para mim?

Ele responde:

É a mesma para todos os homens. Sim! Que você ame e pratique o amor, pois, sem amor, nada será vontade de Deus para você, ainda que você distribua todos os seus bens aos pobres e entregue o seu corpo para ser queimado em martírio de dignidade pela consciência e pela liberdade.

Dá pra entender ou é difícil demais?

Que tal a gente parar de brincar de vontade de Deus? Vamos?

Chega; não é gente?

Nele, que é a vontade de Deus para o homem,


Caio
29 de outubro de 2008
Lago Norte
Brasília
DF


Fonte: www.caiofabio.com

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Não aguento mais esse não aguento mais

Fonte: http://www.galilea.com.br/blog.asp

O refrão do “não agüento mais” cresce a cada dia. Pessoalmente abandonei o coral. Explico. Durante muito tempo acompanhei a caravana do reformismo. Hoje essa conversa me entedia e me aborrece. Primeiro porque não acredito mais em reformas, apenas em revoluções. Mas principalmente porque não mais acredito nisso que apontam como objeto de reforma. A expressão “igreja evangélica brasileira” está fora do meu vocabulário. Não apenas porque inexata – não existe a igreja evangélica brasileira, existem milhares de igrejas evangélicas no Brasil, mas também porque tomar a parte pelo todo é um equívoco.

O que não se agüenta mais é uma das faces da chamada igreja evangélica brasileira. Essa face da igreja evangélica brasileira (que, insisto, existe apenas como categoria sociológica) é absolutamente exógena, um corpo estranho, ao núcleo doutrinário e comunitário do que se chamou igreja evangélica brasileira. Em outras palavras, o que não se agüenta mais na igreja evangélica brasileira não tem nada a ver com qualquer coisa que se possa associar ao termo igreja evangélica, sendo na verdade uma nova versão religiosa do Cristianismo. O Cristianismo, considerado nas categorias das ciências da religião, é uma religião, com muitas expressões condicionadas histórica, social e culturalmente, dentre elas o Catolicismo romano e Protestantismo reformado. O que se convencionou chamar de igreja evangélica é o segmento do Cristianismo associado ao Protestantismo reformado. Nesse segmento surgiu um novo fenômeno tido como evangélico, mas que aos poucos começou a ser alvo dessas centenas de “não agüento mais”. O que percebo é que esse segmento alvejado pelo “não agüento mais” não é um segmento do Protestantismo reformado e, portanto, conforme historicamente consensado no movimento evangélico brasileiro, não deveria estar associado ao nome “igreja evangélica”.

Em outras palavras, no meu caso, dizer que não agüento mais isso equivale a dizer que não agüento mais o espiritismo kardecista ou o fundamentalismo islâmico. A respeito desse tal segmento da chamada igreja evangélica que inspira os “não agüento mais” eu não digo mais “não agüento mais”. Digo que é coisa que não tem nada a ver com a identidade evangélica e que, portanto, não é alvo do meu “não agüento mais”, até porque nunca jamais agüentei. Escrever mais um artigo não agüentando mais isso é o mesmo que subscrever um artigo identificando as incoerências e inconsistências dos cultos afro e dizer “não agüento mais”.

A Revelação de um novo rosto de Deus


Por Carlos Mesters e Francisco Orofino

Numa roda de amigos alguém mostrou uma fotografia, onde se via um homem de rosto severo, com o dedo levantado, quase agredindo o público. Todos ficaram com a idéia de se tratar de uma pessoa inflexível, antipática, que não permitia intimidade. Nesse momento, chegou um rapaz, viu a fotografia e exclamou: "É meu pai!" Os outros olharam para ele e, apontando a fotografia, comentaram: "Pai severo, hein!" Ele respondeu: "Não! Não é não! Ele é muito carinhoso. Meu pai é advogado. Aquela fotografia foi tirada no tribunal, na hora em que ele denunciava o crime de um latifundiário que queria despejar uma família pobre que estava morando num terreno baldio da prefeitura há vários anos! Meu pai ganhou a causa. Os pobres não foram despejados!" Todos olharam de novo e disseram: "Que fotografia simpática!" Como por um milagre, ela se iluminou e tomou um outro aspecto. Aquele rosto tão severo adquiriu os traços de uma grande ternura! As palavras do filho, mudaram tudo, sem mudar nada! As palavras e gestos de Jesus, nascidas da sua experiência de filho, sem mudar uma letra ou vírgula sequer, mudaram o sentido do Primeiro Testamento (Mt 5,17-18). O Deus, que parecia tão distante e severo, a ponto de o povo não ter mais coragem de pronunciar o seu Nome, adquiriu os traços de um Pai bondoso de grande ternura! O mesmo acontece hoje nas Comunidades Eclesiais de Base. A experiência humanizadora da convivência comunitária e da luta em prol da justiça e da fraternidade gera uma nova experiência de Deus e da vida que se transmite através da participação das pessoas nos Círculos Bíblicos e encontros comunitários e lhes comunica um critério novo de interpretação. Aqui está a fonte escondida e geradora do processo da leitura popular da Bíblia na América Latina.

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Carlos Mesters e Francisco Orofino. Sobre a Leitura Popular da Bíblia (III). Em: www.adital.com.br.

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

IGREJA APENAS PARA TERRÁQUEOS OCIDENTAIS!


CRISTO PEQUENO, IGREJA APENAS PARA TERRÁQUEOS OCIDENTAIS!

Paulo nos diz que Jesus é o centro de todas as coisas nos céus, na terra, e em qualquer dimensão ou existência.

Para Paulo Jesus é Aquele em Quem tudo o que existe subsiste.

Ele é também, segundo o apóstolo, o Senhor e Salvador de todos os mundos, criaturas e criações.

Sim! Paulo via Jesus como o Criador-Cordeiro-Coração-Pulsante do Universo.

Ora, no meio disso tudo Paulo também diz que Deus deu Jesus como o Cabeça da Igreja, a fim de que o ambiente espiritual do que Deus vê e conhece como Corpo de Cristo, seja tomado de toda a plenitude de Deus; ou seja: para que na Igreja habite a plenitude Daquele que enche todas as coisas.

Obviamente que pela consciência de Paulo acerca do Senhorio de Cristo em todos os mundos existentes, possíveis e impensáveis, ou seja: o mundo “de qualquer outra criatura” — também se pode concluir que ele também carregava uma consciência do significado supra-histórico do conceito de Igreja.

De fato, tendo o Deus no máximo Planetário que os cristãos possuem, não lhes é possível discernir o conceito multi-cósmico do que Paulo chama Igreja.

A Igreja para Paulo era feita, no tempo, de todas as expressões de consciência do amor de Deus no mundo, independentemente de qualquer coisa, pois, Deus, em Cristo, unilateralmente, se reconciliara com o mundo, e, no mundo, todo aquele que ame e busque verdade e justiça, Lhe é agradável.

E mais:

Para Paulo a Igreja era feita de todos antes, durante e depois dele; tanto entre os homens como entre os anjos. Sim! Todos os entes santos eram Igreja desde sempre!

Sim! Paulo cria que onde quer que haja uma criatura consciente de si mesma em Deus, tal criatura é parte da Igreja, da Assembléia dos santos, e da incontável nuvem de testemunhas em todas as dimensões.

A missão de Paulo na terra era fazer tal mistério antes oculto, e agora revelado, tornar-se conhecido de todos os homens, a fim de que, instruídos na verdade do Evangelho, servissem a Deus em liberdade, consciência em fé e mente aberta e cheia de adoração, ante a percepção da altura, da largura, do comprimento, e da profundidade do significado de todas essas coisas.

Ora, para Paulo, tais alargamentos de significados somente são possíveis pela compreensão que em nós cresça para incluirmos no amor de Deus toda a criação, onde quer que ela, a criação, seja verificada como existente.

Assim, Paulo jamais se assustaria com a descoberta da existência de qualquer mundo ou universo que fosse, pois, para ele, nenhuma criatura existia sem Cristo; e, mais que isto: nenhuma delas teria poder de nos afastar do amor de Cristo.

Portanto, para o apostolo, quem tem real conhecimento do significado do Senhorio de Cristo e, também, do significado supra-histórico do que seja Igreja, esse tal anda reconciliado com toda criação e sem temor de nenhuma criatura.

E mais que isto: tal pessoa se sabe irmã de muitas e todas as criaturas redimidas, nos céus, na terra, ou em qualquer outra dimensão.


Caio

19 de outubro de 2008

São Paulo

SP

Fonte: www.caiofabio.com

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

UM DEUS QUE SE OCULTA

T. Austin-Sparks

Verdadeiramente tu és um Deus que te ocultas, ó Deus de Israel, o Salvador.(Is.45.15) É como se o profeta fosse de repente tomado por um temor, e golpeado por um espanto com o que ele estava para profetizar! No meio de seu ministério, seu espanto rompeu sobre si mesmo e ele exclamou com este brado. Deixando de lado muito do que isto poderia implicar como profecia, vamos nos ater à exclamação em si. Aquela declaração, em princípio, é uma com várias instâncias nas Escrituras. Olhando para o contexto, vemos que se trata da libertação de Israel do cativeiro, e o seu retorno à terra para reconstruir Jerusalém e o templo. Não há dúvida que muita especulação e discussão tem havido sobre como as profecias de seu retorno seriam cumpridas. Setenta anos tinham sido determinados e tornados conhecidos quanto a duração do cativeiro. Os poderes dos Gentios estavam sem dúvida em ascendência e parecia haver muito pouca perspectiva ou possibilidade de Israel reconquistar seu poder e glória nacional entre as nações. O estado das coisas em seu próprio país – o templo destruído, a cidade incendiada, a terra dominada por bestas feras, os emissários dos inimigos instalados – e a desintegração entre as próprias pessoas no exílio, fez da previsão algo carregado de problemas aparentemente insuperáveis, e isso poderia bem ter conduzido a uma completa confusão, e até mesmo desespero.

Então o profeta é obrigado a profetizar que tudo isto iria acontecer – esta restauração – nas mãos ou pela vontade do próprio poder Gentil; que o Soberano Espírito de Deus desceria sobre um que – até então – não estava em posição para fazê-lo, e provavelmente cujo nome ainda não era conhecido. Babilônia ainda não estava vencida: o Império Babilônico ainda não tinha sido destruído; as profecias de Daniel ainda não tinham sido cumpridas. Mas aquele que o faria fora mencionado pelo nome e os detalhes de sua conquista são dadas neste capítulo 45 das profecias de Isaías. (Leia-o, fragmento por fragmento) E então, muito embora este homem estivesse em ignorância de Deus, ele seria constrangido e compelido por Deus, como um ungido para cumprir as Escrituras, libertar o povo, prover os meios, e de modo geral, facilitar a restauração.

Assim que o profeta vê tudo isto em sua “visão” (“a visão de Isaías”, 1.1, uma visão incluindo tudo), ele é esmagado por um espanto. Todos os problemas estão resolvidos, as perguntas respondidas, as “montanhas” niveladas! Quem teria pensado nisto? Quem teria sonhado com tal coisa? Oh, quão profundo são os caminhos de Deus, abaixo de nossa imaginação, escondidos de nossas mais intensas especulações. “Verdadeiramente tu és um Deus que te ocultas, ó Deus de Israel, o Salvador. Há várias outras grandes e consideráveis instâncias no mistério dos caminhos de Deus em cumprir seus maiores propósitos. Todas as raças tinham se apartado dEle e se envolvido com o ateísmo e com a idolatria. Era universal. Como Deus encontraria uma solução? Ele se moveu para por suas mãos sobre um homem, e, a partir daquele homem Ele fez uma nação. Em sua Soberana Graça Ele fez daquela nação seu mistério, seu segredo, entre as nações. Israel era o mistério de Deus, o caminho escondido de Deus. Sempre houve algo misterioso acerca de Israel. Paulo, contemplando este método de Deus e achando-o elevado, com poder tão esmagador, fez exatamente o mesmo que Isaías. Enquanto escrevia ele apenas exclamou um alto e ressonante brado: - “Ó profundidade das riquezas, tanto da sabedoria e do conhecimento de Deus! Quão insondáveis seus juízos e inescrutáveis seus caminhos! (Rom.11.33)

Ele bem poderia ter acrescentado, “Tu és o Deus que te ocultas”. Quem poderia ter pensado na encarnação, e que, não em glória, mas em humilhação, contrariando qualquer expectativa humana? Quem poderia ter pensado numa cruz para o Deus Encarnado como o método e o meio de solucionar o maior problema já conhecido neste universo? Quem poderia ter suspeitado que tudo isto estava incorporado naquele Homem de Nazaré, “o filho do carpinteiro”, como eles o chamavam? Lá estava o maior mistério de Deus! Funcionaria? Tem ele provado ser o caminho , o único caminho, e o bem sucedido caminho transcendental? E o que é verdade quanto ao mistério de Israel, e o mistério de Cristo, é também verdade quanto ao mistério da Igreja. Há uma coisa oculta a respeito da Igreja. Nenhum olho natural pode discerni-lo. Nenhuma mente natural pode explicá-lo. Reduza-o ao senso e descrição humana e você o terá perdido, você terá se agarrado a coisa errada. “A sabedoria de Deus está em mistério”, diz Paulo. Tente recomendar a Igreja para o mundo sem fé e você a despiu de seu poder secreto. A menos que os homens venham diretamente de encontro com o Deus insondável que os esmaga, aquilo que afirma ser seu esconderijo será apenas uma concha vazia. E nós lembraríamos você que o que é verdade naquelas épocas de soberano progresso através dos anos, aquelas intervenções e adventos na história da vida espiritual deste mundo, também é verdade para cada um de seu verdadeiro povo. E isto será constantemente confrontado com o “como”? de situações impossíveis, a fim de que eles possam ser compelidos a repetidas exclamações diante de Suas simples soluções – “Verdadeiramente tu és um Deus que te ocultas a si próprio”.

“Profundo em impenetráveis minas de capacidade que nunca falha, Ele entesoura seus desígnios brilhantes e opera sua vontade soberana. Dar-te-ei os tesouros das trevas, e as riquezas encobertas, para que saibas que eu sou o Senhor, o Deus de Israel, que te chamo pelo teu nome”. (Isa.45.3).

terça-feira, 21 de outubro de 2008

Acusações contra um culto invisível

Ninguém tenha seus próprios deuses, quer novos quer estranhos, além dos instituídos pelo Estado.
A ninguém se autoriza promover reuniões noturnas na cidade.
Lei das Doze Tábuas, 450 a.C, Cícero, Sobre as leis II.19

Então não deve ser considerado lamentável que homens de uma facção condenável, irregular e desesperada voltem sua ira contra os deuses? Que homens, arrebanhados dentre os menos qualificados da escória mais inferior, e mulheres crédulas (e pela inclinação do seu sexo, complacentes) formem uma súcia de profana conspiração?

Sua aliança consiste em reuniões noturnas marcadas por rituais solenes e folias inumanas, nas quais substituem os ritos sagrados por crimes inexpiáveis. São gente que esconde-se da luz e a evita; silenciosos em público, são tagarelas nos becos. Desprezam os templos como se fossem mausoléus, menosprezam os deuses e ridicularizam as coisas sagradas. Depreciam os nossos sacerdotes e desprezam os títulos de honra e os mantos púrpura dos altos governantes, embora eles mesmo mal tenham como cobrir a sua nudez.

Ah, mas que assombrosa insensatez e inacreditável audácia! Desdenham dos tormentos do presente, embora temam outros incertos e futuros. Embora temam morrer depois da morte, não temem morrer para o presente, e dessa forma uma esperança enganosa aplaca seus temores com o consolo de uma nova vida.

Ora, como coisas perversas propagam-se com maior facilidade, os abomináveis locais de reunião dessa ímpia assembléia estão multiplicando-se ao redor do mundo, devido à intensificação diária da imoralidade. Essa agremiação deve ser a todo custo erradicada e execrada.

Reconhecem uns aos outros através de símbolos e sinais. Amam uns aos outros antes de se conhecerem, por assim dizer. Praticam em todo lugar uma espécie de culto da luxúria, chamando-se promiscuamente de “irmão” e “irmã”. Desse modo, sob a proteção desses nomes consagrados, mera licenciosidade torna-se incesto, e assim vê-se que sua superstição vã e sem sentido orgulha-se de seus crimes.

Ouço que adoram a cabeça de um asno, a mais inferior das criaturas, consagrada por eles por não sei dizer qual tola persuasão, mas que deve provar-se religião digna e apropriada para tais condutas. Diz-se que adoram os orgãos genitais de seus pontífice e sacerdote, reverenciando nessa atitude o poder criativo de seu pai. Não sei se são verdadeiras essas acusações, mas por certo toda suspeita deve parecer aplicável com relação a ritos secretos e noturnos. Venerar um criminoso punido com extremo sofrimento por seus crimes, bem como a cruz na qual foi executado, é erigir altares que convém a miseráveis condenáveis e perversos, em que poderão adorar aquilo que merecem.

A história de como iniciam seus jovens noviços é tanto detestável quanto bem conhecida. Um bebê é colocado diante daquele que está para ser maculado por esses ritos, e é então assassinado pelo jovem discípulo. Avidamente — oh, o horror! — eles lambem o seu sangue; entusiasticamente repartem os seus membros. Através dessa vítima nasce seu elo comum; pela consciência dessa perversidade estão pactuados ao silêncio mútuo. Ritos sagrados dessa natureza são mais abomináveis do que quaisquer sacrilégios.

Sobre seus banquetes não é necessário estender-se, porque fala-se deles em todo lugar. Num dia de festa reúnem-se para um banquete, com todos as suas crianças, irmãs e mães, gente de todo sexo e de todas as idades. Ali, depois de muito festejo, quando seu ajuntamento vai se aquecendo e o fervor de sua luxúria incestuosa já foi estimulado pela bebedeira, um cachorro que foi amarrado ao candelabro é provocado e dessa forma extingue-se a luz que poderia incriminá-los. A escuridão encobre então sua sem-vergonhice, e abraços voluptuosos são trocados indiscriminadamente. Embora não sejam todos incestuosos de facto, em consciência todos o são, porque cada ato individual corresponde à vontade de todos.

Omito um grande número de acusações, porque as que mencionei já são mais do que suficientes; e todas essas, ou a maior parte delas, são verdadeiras, o que é deixado claro pela obscuridade de sua religião vil. De outro modo por que se esforçariam tanto para ocultar e encobrir aquilo que adoram, se não porque coisas honrosas sempre regozijam-se na publicidade, e crimes são mantidos em segredo?

Por que não têm altares, não têm templos, não têm images consagradas? Por que não falam jamais abertamente, jamais congregam-se livremente, se não pelo fato de que aquilo que adoram e escondem é digno de punição ou algo de que se deve envergonhar?

Além disso, de onde vem e quem é, ou onde está esse Deus único, solitário, desolado, que nenhum povo livre, nenhum reino e nem mesmo a superstição romana ouviram falar? A solitária e miserável nação dos judeus adorava um único Deus, e um Deus peculiar a ela mesma; mas adoravam-no abertamente, com templos, com altares, com vítimas e com cerimônias. E ele tinha tão pouca influência ou poder que foi escravizado, junto com sua nação particular, pelas divindades romanas.

Já os cristãos, que maravilhas, que monstruosidades inventam! Que aquele que é seu Deus, ao qual não podem nem mostrar nem contemplar, investiga diligentemente o caráter de todos, os atos de todos e, in fine, suas palavras e pensamentos secretos. Que ele percorre todos os lugares e em todo lugar está presente. Fazem dele alguém incômodo, inquieto e até mesmo despudoradamente inquisitivo, já que está presente diante de tudo que é feito e entra e sai de todos os lugares — embora, estando ocupado com o todo, não é capaz de dar atenção a particulares, nem pode ser suficiente para o todo enquanto está ocupado com particulares.

Minucius Felix (160?-300?), apologista cristão, recapitula as acusações dos pagãos em seu Octavius.

via A Bacia das Almas (via PavaBlog)

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Vivam em comunhão, ovelhinhas!


Essa semana acabei de reler 1984, de George Orwell. A primeira vez que o li foi em julho de 2004. Era casada e evangélica, mas minha fé já estava em crise, assim como meu casamento. Em maio daquele mesmo ano eu havia abdicado de ser uma das 12 apóstolas especiais da pastora. É um cargo que dá status dentro da igreja, mas também gera muito trabalho. Foi uma decisão difícil abrir mão do tal cargo porque ele é visto como uma espécie de chamado especial de Deus. Mas as responsabilidades eram muitas e eu as levava muito a sério: reuniões com minha célula (espécie de estudo bíblico), grupo de jovens sábado à noite (eu era líder), cultos de domingo à noite, cultos de domingo pela manhã uma vez por mês, reuniões semanais com a pastora e suas outras "apóstolas"... Reuniões essas em que rolava mais fofoca do que qualquer outra coisa. Você não é capaz de imaginar o quanto um bando de crentes reunidos pode ser fofoqueiro. Eu ainda tentava dissuadir as irmãs de ficar fofocando e partirmos para o lado espiritual. Eu era uma crente bem caxias mesmo.

Havia também os Encontros e retiros, que exigiam não só que perdessemos o final de semana do próprio evento, mas também que nos reuníssemos diariamente para orações e súplicas a Deus em prol dos tais retiros. Além disso, havia ainda os aniversários de membros da igreja, as conversas pessoalmente ou por telefone para aconselhar discípulos, as células do meu marido (um bando de rapazes ignorantes e incultos enchendo a minha sala), os aconselhamentos a jovens casais de namorados, as apresentações musicais da banda gospel do marido, os congressos, as viagens para congressos, as vigílias, os jejuns e uma infinidade de outras coisas que pudessem ser inventadas para manter as ovelhas marchando em perfeita harmonia e comunhão.

"Como é bom que os irmãos vivam em comunhão", diz a Bíblia. E se a Bíblia diz, é isso que vamos fazer: estar sempre juntos, unidos, amarrados uns aos outros por compromissos sem fim. Não era obrigatório participar de tudo, mas quem passa um bom tempo na igreja sem participar de nada, indo apenas aos cultos, logo se torna apenas um peão, um membro sem importância. Livre de muitas responsabilidades, mas também sem poder. Claro que ninguém admite que este é o motivo de estar presente em todas as ocasiões. Claro que é por amor a obra de Deus, por um chamado especial do Senhor Jesus, etc, etc, etc. Mentira. O amor ao poder move as rodas da igreja. É assim com a Católica Apostólica Romana e é assim com os protestantes, sejam pentecostais ou tradicionais. Eles estão sempre presentes às convocações porque quem está sempre presente sabe de tudo, vê tudo, ouve tudo, conhece mais e por conseqüência, pode mais.

Conhecimento é poder e isso é uma verdade entre os evangélicos também. Ora, por que gastar dinheiro e tempo em congressos do outro lado do Brasil e, quiçá, até do mundo? (A grande onda agora é ir a Jerusalém - é o sonho de consumo de qualquer cristão-pentecostal, sobretudo aqueles que seguem a Igreja em Células no Modelo dos 12.) Porque assim se está por dentro de todas as novidades, conhece-se as "estrelas" do mundo evangélico, ouve-se as pregações mais porretas (aquelas em que o pastor tem um domínio de público tão grande que promove catarses coletivas em que as pessoas choram, deliram, rolam no chão, pulam, gargalham e dançam freneticamente). Um Woodstock de Deus em que, ao invés de engolir LSD, engolem-se palavras dos pregadores e ao invés de se escutar boa música, escutam-se letras repetitivas dos cantores cristãos: Deus eu quero te ver; quero mais de ti; vem me tocar; me molha com tua chuva e por aí vai... (Mas isso é assunto para um próximo post.)

Por tudo isso e mais um pouco que naquele julho de 2004, George Orwell me conquistou. Eu sorria e abria a boca espantada lendo 1984. O livro é uma metáfora política sobre um mundo sutilmente escravizado por um partido político, que se apresenta na figura do Grande Irmão. George Orwell escreveu-o com o objetivo de ser um alerta sobre como os sistemas de governo podem controlar o cidadão. Mas eu via mais do que política naquele livro. Eu via, ali descrito, muitos dos métodos que a igreja usava para manter-nos pacíficos, fiéis aos seus princípios e incapazes de questionar os dogmas que seguíamos.

Hoje é muito estranho quando vejo algumas pessoas entregando grande parte de seu tempo, dinheiro e pensamentos para a religião. Não cogitam a possibilidade de faltar um culto de domingo, passam finais de semana acampados em lugares feios e úmidos, gastam seu dinheiro em dízimos, congressos e ofertas e convivem com pessoas que nada lhes acrescenta em termos culturais.
E eu era exatamente desse jeito. Fervorosamente, desse jeito.

Qualquer semelhança não é mera coincidência...

"Era a segunda vez em três semanas que faltava a um sarau no Centro Comunal: gesto audacioso, pois podia ter a certeza de que era cuidadosamente verificado o número de presenças no Centro. Em princípio, um membro do Partido não tinha horas vagas, e não ficava nunca só, exceto na cama. Supunha-se que quando não estivesse trabalhando, comendo ou dormindo, devia participar de alguma recreação comunal; era sempre ligeiramente perigoso fazer qualquer coisa que sugerisse o gosto pela solidão(...)"
(George Orwell - 1984)



Fonte: http://www.interney.net/blogs/heresialoira/2008/10/08/vivam_em_comunhao_ovelhinhas/