quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Servir: privilégio de poucos

É natural ao coração humano a busca de conforto, status, poder e tudo quanto vem agregado a estas realidades. Tiago, João e sua mãe foram até Jesus solicitar tais privilégios na consumação do reino de Deus. Jesus não disse nem que sim, nem que não, mas aproveitou para reforçar que o reino de Deus é reino de servos e, portanto, os servos são os verdadeiros governantes do mundo. No reino de Deus, o privilégio e o ônus de governar não é das “pessoas importantes”, mas dos servos, até porque, governar é servir. No reino de Deus, a maneira de governar não é exercendo domínio sobre os governados, mas servindo os governados, até porque, governar é servir. Na lógica do reino de Deus, o oposto também é verdadeiro: servir é governar.

Para servir é necessário sair da zona de conforto, isto é, fazer o indesejado, dedicar tempo para tarefas pouco atraentes, assumir responsabilidades desprezadas pela maioria, fazer “o trabalho sujo”, enfim fazer o que ninguém gosta de fazer. Para servir é necessário vencer o orgulho, isto é, se dispor a ser tratado como escravo, ter os direitos negligenciados, ser desprestigiado, sofrer injustiças, conviver com quase nenhum reconhecimento, enfim, não se deixar diminuir pela maneira como as pessoas tratam os que consideram em posição inferior. Para servir é necessário abrir mão dos próprios interesses, isto é, pensar no outro em primeiro lugar, ocupar-se mais em dar do que em receber, calar primeiro, perdoar sempre, sempre pedir perdão, enfim, fazer o possível para que os outros sejam beneficiados ainda que ás custas de prejuízos e danos pessoais.

Não é por menos que em qualquer sociedade humana existem mais clientes do que servos. Servir não é privilégio de muitos. Servir é para gente grande. Servir é para gente que conhece a si mesma, e está segura de sua identidade, a tal ponto que nada nem ninguém o diminui. Servir é para gente que conhece o coração das gentes, de tal maneira que nada nem ninguém causa decepção suficiente para que o serviço seja abandonado. Servir é para quem conhece o amor, de tal maneira que desconhece preço elevado demais para que possa continuar servindo. Servir é para quem conhece o fim a que se pode chegar servindo e amando, de tal maneira que não é motivado pelo reconhecimento, a gratidão ou a recompensa, mas pelo próprio privilégio de servir. Servir é para gente parecida com Jesus. Servir é para muito pouca gente.

A comunidade cristã – a Igreja, pode e deve ser vista, portanto, como uma escola de servos. Uma escola onde aprendemos que somos portadores do dna de Deus, dignidade que ninguém nos pode tirar. Uma escola onde aprendemos que, por mais desfigurado que esteja, todo ser humano carrega a imagem de Deus. Uma escola onde aprendemos a amar, e descobrimos que, se “não existe amor sem dor”, jamais se ama em vão. Uma escola onde aprendemos que “mais bem aventurada coisa é dar do que receber”.

Servir é mesmo privilégio de poucos. De minha parte, preferiria ser servido. Mas aí teria de abrir de mão do reino de Deus. Teria de abrir mão de desfrutar do melhor de mim mesmo. Teria de abrir mão de você. Definitivamente, me custaria muito caro. Nesse caso, continuo na escola.

© 2008 Ed René Kivitz

domingo, 16 de novembro de 2008

Sobre casamento e amor

Não é bom que o homem esteja só.
Far-lhe-ei uma companheira
que lhe seja suficiente.
Gênesis 2.18


Venho me perguntando o que faz as pessoas optarem pelo casamento se contam com outras alternativas para a vida a dois. A justificativa mais comum para o casamento é o amor. Mas devemos considerar que amor é uma experiência cuja definição está em xeque não apenas pela quantidade enorme de casais que “já não se amam mais”, como também pelo número de pessoas que se amam, mas não conseguem viver juntas.

Talvez por estas duas razões – o amor eterno enquanto dura e o amor incompetente para a convivência – nossa sociedade providenciou uma alternativa para suprir a necessidade afetiva das pessoas: relacionamentos temporários em detrimento do modelo indissolúvel. Mas, mesmo assim, o número de pessoas que optam pelo casamento em sua forma tradicional, do tipo “até que a morte vos separe” cresce a cada dia.

Acredito que existe uma peça do quebra cabeça que pode dar sentido ao quadro. Trata-se da urgente necessidade de desmistificar este conceito de amor que serve de base para a vida a dois. Afinal de contas, o que é o amor conjugal? Para muitas pessoas, o amor conjugal é confundido com a paixão. Paixão é aquela sensação arrebatadora que nos faz girar por algum tempo ao redor de uma pessoa como se ela fosse o centro do universo e a única razão pela qual vale a pena viver. Esta paixão geralmente vem acompanhada de uma atração quase irresistível para o sexo, e não raras vezes se confunde com ela. Assim, palavras como amor, paixão e tesão acabam se fundindo e tornando-se quase sinônimas.

Este conceito de amor justifica afirmações do tipo “sem amor nenhum casamento sobrevive”, “sem paixão, nenhum relacionamento vale a pena”, “é o sexo apaixonado que dá o tempero para o casamento”.

Minha impressão é que todas estas são premissas absolutamente irreais e falsas. Deus justificou a vida entre homem e mulher afirmando que não é bom estar só. Nesse sentido, casamento tem muito pouco a ver com paixão arrebatadora e sexo alucinante. Casamento tem a ver com parceria, amizade, companheirismo, e não com experiências de êxtase. Casamento tem a ver com um lugar para voltar ao final do dia, uma mesa posta para a comunhão, um ombro na tribulação, uma força no dia da adversidade, um encorajamento no caminho das dificuldades, um colo para descansar, um alguém com celebrar a vida, a alegria e as vitórias do dia-a-dia. Casamento tem a ver com a certeza da presença no dia do fracasso, e a mão estendida na noite de fraqueza e necessidade. Casamento tem a ver com ânimo, esperança, estímulo, valorização, dedicação desinteressada, solidariedade, soma de forças para construir um futuro satisfatório. Casamento tem a ver com a certeza de que existe alguém com quem podemos contar apesar de tudo e todos ... a certeza de que, na pior das hipóteses e quaisquer que sejam as peças que a vida possa nos pregar, sempre teremos alguém ao lado.

Nesse sentido, não é certo dizer que sem amor nenhum casamento sobrevive, mas sim que sem casamento nenhum amor sobrevive. Não é certo dizer que sem paixão, nenhum relacionamento vale a pena, mas sim que sem relacionamento nenhuma paixão vale a pena. Não é o sexo apaixonado que dá o tempero para a vida a dois, mas a vida a dois que dá o tempero para o sexo apaixonado. Uma coisa é transar com um corpo, outra é transar com uma pessoa. Quão mais valiosa a pessoa, mais prazeroso e intenso o sexo. Quão menos valorizada a pessoa, mais banal a transa.

Assim, creio que podemos resumir a vida a dois, entre homem e mulher, conforme idealizada por Deus, em três palavras que descrevem um casal bem sucedido...

Um casal bem sucedido é um par de amantes.

Um casal bem sucedido é um par de amigos.

Um casal bem sucedido é um par de aliados.

São três letras A que fornecem a base de uma relação duradoura. Amante se escreve com A. Amigo se escreve com A. Aliado se escreve com A. E não creio ser mera coincidência o fato de que todas as três, amante, amigo e aliado, se escrevem com A... A de AMOR.

© 2008 Ed René Kivitz

sábado, 15 de novembro de 2008

A oração simples


Não existe oração errada. Aliás, a oração errada é aquela que não é feita. A Bíblia Sagrada ensina que se deve orar a respeito de tudo. Orar por qualquer motivo, qualquer hora, qualquer lugar, sempre que o coração não estiver em paz. Tão logo o coração experimente apreensão, preocupação, medo, angústia, enfim, seja perturbado por alguma coisa, a ação imediata de quem confia em Deus é a oração.

O apóstolo Paulo diz que não precisamos andar ansiosos por coisa alguma, mas em tudo, pela oração e súplicas, com ação de graças, devemos apresentar nossos pedidos a Deus, tendo nas mãos a promessa de que a paz de Deus que excede todo o entendimento, guardará nossos sentimentos e pensamentos em Cristo Jesus (Filipenses 4.6,7). A expressão “coisa alguma” inclui desde uma vaga no estacionamento do shopping center quanto o fechamento de um negócio, o desejo de que não chova no dia da festa quanto a enfermidade de uma pessoa querida.

Esta experiência de oração é chamada de oração simples: orar sem censura filosófica ou teológica, orar sem se perguntar “é legítimo pedir isso a Deus?” ou “será que Deus se envolve nesse tipo de coisa?”. Simplesmente orar.

A garantia que temos quando oramos assim é a paz de Deus em nossos corações e mentes. A Bíblia não garante que Deus atenderá nossos pedidos exatamente como foram feitos: pode ser que a vaga no estacionamento não seja encontrada e que chova no dia da festa. A oração não se presta a fazer Deus trabalhar para nós, atendendo nossos caprichos e provendo o nosso conforto. Já que a causa da oração simples é a ansiedade, a resposta de Deus é a paz. O resultado da oração não é necessariamente a mudança da realidade a respeito da qual se ora, mas a mudança da pessoa que ora. A mudança da situação a respeito da qual se ora é uma possibilidade, a mudança do coração e da mente da pessoa que ora é uma realidade. Deus não prometeu dizer sim a todos os nossos pedidos, mas nos garantiu dar paz e nos conduzir à serenidade. Não prometeu nos livrar do vale da sombra da morte, mas nos garantiu que estaria lá conosco e nos conduziria em segurança através dele.

O maior fruto da oração não o atendimento do pedido ou da súplica, mas a maturidade crescente da pessoa que ora. Na verdade, a estatura espiritual de uma pessoa pode ser medida pelo conteúdo de suas orações. Assim como sabemos se nossos filhos estão crescendo observando o que nos pedem e o que esperam de nós, podemos avaliar nosso próprio crescimento espiritual através de nossos pedidos e súplicas a Deus. As orações revelam o que realmente ocupa nossos corações, o que realmente é objeto dos nossos desejos, o que nos amedronta, nos desestabiliza e nos rouba a paz.

O apóstolo Paulo diz que quando era menino, falava como menino, pensava como menino e raciocinava como menino. Mas quando se tornou homem, deixou para trás as coisas de menino (1Coríntios 13.11). Não existe oração certa e errada. Mas existe oração de menino e oração de homem. Oração de menina e oração de mulher. A diferença está no coração: coração de menino e de menina, ora como menino e menina. A nossa certeza é que Deus também gosta de crianças.

© 2008 Ed René Kivitz

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

A sabedoria dos rabinos


Duas leis a respeito da administração de riquezas

Outro dia um casal amigo precisou de subsídios para decidir a venda de um dos seus imóveis. Na verdade, era bem mais do que um imóvel, era uma propriedade que simbolizava anos de sua parceria conjugal, um lugar muito especial, daqueles feitos a quatro mãos com todos os detalhes contando uma história. Depois de conversar ao telefone, dediquei alguns instantes à oração e depois escrevi para eles um texto resumindo algumas coisas interessantes que aprendi com os rabinos, com referência especial a Nilton Bonder, A cabala do dinheiro, a respeito de propriedades e posses. Duas especialmente.

A primeira é a "lei do máximo proveito", que diz que o justo não abre mão do que é seu, mas percebe quando o que é seu lhe representa maior ganho não mais sendo seu. O justo passa adiante sua propriedade quando esta transação de transferir a posse lhe proporciona mais prazer, conforto e retorno. Isto é, o justo sabe quando o máximo proveito de uma propriedade está em abrir mão dela.

Conta-se que o Reb Zalman foi abordado por uma pessoa que ficou maravilhada pelas cores do seu manto. A reação dessa pessoa foi tão intensa que o Reb Zalman ofereceu-lhe o manto de presente. O Reb percebeu que a pessoa havia ultrapassado o limite de desejo e naquele instante houve uma mudança sutil no nível de "direito de propriedade". Reb Zalman poderia ter retido o manto, mas não quis, pois já não lhe pertencia mais, isto é, o máximo proveito que ele poderia extrair de sua propriedade naquele momento era ofertá-la.

Em outras palavras, existe no universo uma cadeia ou fluxo de posses, e a riqueza do universo consiste em entrar na onda desse fluxo, sem represar nem desperdiçar nada. A gente tem que saber quando uma propriedade começa a desequilibrar o universo ficando em nossas mãos. Às vezes, abrir mão de uma propriedade é uma forma de alimentar esse fluxo de riquezas que gera mais riquezas para nós e para as pessoas ao nosso redor. Lembro de uma expressão que muito me desafia: "Quando você tem uma coisa que não pode entregar nas mãos de Deus, na verdade não é você quem tem a coisa, é a coisa quem tem você". E quando uma coisa tem a gente, é muito perigoso ficar com ela na mão. O melhor proveito está em abrir mão daquilo. Sempre digo a Deus que não quero deixar de lado qualquer coisa que Ele queira me dar, mas também não quero ter nas mãos qualquer coisa que não tenha sido abençoada por Ele.

O outro ensinamento dos rabinos trata do que eu chamo de "lei do enriquecimento integral". Todos nós temos várias contas correntes: saúde, caráter, relacionamentos, dinheiro, realização, conforto, tranqüilidade, sono, coração e consciência em paz, e assim por diante. O enriquecimento integral acontece quando a gente consegue fazer com que todas as contas cresçam ao mesmo tempo. O justo jamais saca da conta caráter para depositar na conta corrente; jamais saca da conta família para depositar na conta realização pessoal. Mais do que isso, o justo sabe quais das contas sacrificar mais e quais sacrificar menos. Isto é, na hora de escolher entre perder dinheiro e perder a integridade, o justo sempre perde dinheiro.

Esse ensinamento me traz duas considerações. A primeira é que o bem estar pessoal e familiar, o conforto, a tranqüilidade e a paz de espírito são riquezas imensuráveis. Não devemos nem precisamos abrir mão de uma vida confortável. Apenas devemos cultivar um coração capaz de viver no desconforto sem murmurar e sem permitir que isso nos infelicite. Tem gente, por exemplo, que prefere perder dinheiro que perder a paz de espírito, a pureza da consciência e leveza do sono. Prefere abrir mão de uma propriedade que comprometer seu ambiente familiar com ansiedade e o stress de uma dívida ou de uma vida com inquietações desnecessárias ou que poderiam ser evitadas. Em outras palavras, todos nós devemos fazer uma lista de valores inegociáveis. Caso você não a tenha, é bom providenciar com urgência, e depois verificar se Deus concorda com ela.

A segunda aplicação é que sempre devemos fazer distinção entre perda e transferência. Às vezes, queimamos riquezas de uma conta para cobrir os déficits de outra. Mas há casos quando transferimos fundos. Como sabemos a diferença? Quando o depósito numa conta não é uma forma de gerar mais riqueza, então estou pagando dívida. Mas quando o depósito em uma conta gera mais riqueza, então estou fazendo investimento, alavancando resultados, multiplicando recursos e fazendo transferência de fundos. Precisamos discernir quais as contas estão desequilibradas ou precisando de um reforço. E precisamos saber de qual conta vamos sacar o necessário para promover o equilíbrio ou potencialização.

Por exemplo, vale a pena ser promovido para ter um percentual de aumento de salário e partir da nova função ter que viajar e passar a semana longe da família? A recusa do novo cargo acarreta danos aos meus projetos profissionais, e caso positivo, ainda assim, vale a pena ficar longe de casa? Ou, então, esse é mesmo o momento de iniciar uma pós-graduação? Quais as contas ficarão descobertas ou sofrerão saques durante este período? Será que vale mesmo a pena comprar um terreno que vale 70 mil reais sendo que para conseguir os tais 70 mil eu vou me comprometer com dois plantões semanais durante dois anos? Às vezes precisamos dedicar mais atenção à conta "trabalho", em detrimento de outras, porque o momento exige, e de vez em quando precisamos colocar a conta trabalho em segundo plano para cuidar da conta "filhos" ou "cônjuge".

Portanto, para administrar posses, sempre me pergunto se terei mais ganho retendo ou transacionando (comprando, vendendo, doando) o objeto? No caso optar por transacionar o objeto, de qual(ais) conta(s) estou sacando e em qual(ais) conta(s) estou depositando? Esta transação do objeto é uma queima de gordura para quitar débitos, um desperdício de recursos, ou uma forma de investimento para alavancar mais riquezas (em todas as dimensões)?

© 2008 Ed René Kivitz

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

UM PRESIDENTE NEGRO NA CASA BRANCA




















http://www.mariopersona.com.br/cafe/archives/00000240.htm

Achei estranho, muito estranho. Aquilo não era para estar
acontecendo. Na minha opinião os Estados Unidos cometiam um grande
erro ao enterrar seus cidadãos daquele jeito.

Coloquei mais força nos pedais da bicicleta para deixar para trás
a rua que dividia os mortos. Eu tinha acabado de descobrir, no
cemitério perto de casa, em Carthage, Missouri, que de um lado da
rua enterravam os brancos e do outro os negros. Em 1972, aos 16
anos, segregação assim era novidade para mim.

Eu sei que no Brasil existia, só que não amparada por lei ou
religião. Nos EUA a segregação tinha sido abolida no papel dois
anos antes, mas continuava na prática. Na McAuley High School,
escola particular católica onde eu estudava, não encontrei um aluno
negro.

A supremacia branca, defendida por alguns cristãos norte-
americanos, teve sua origem na mitologia pagã anglo-saxônica e
influenciou o pensamento de personalidades tão diferentes quanto
Hitler, Monteiro Lobato e Alan Kardec. Mas na Roma de Constantino a
mistura de elementos cristãos e pagãos já era incentivada, visando
homogeneizar a religião no império. Quem visita o Vaticano encontra
imagens que nada mais são do que representações ou estátuas
recicladas de deuses pagãos, como a de Júpiter, que ocupa o lugar
de São Pedro.

A segregação também tem o respaldo de interpretações equivocadas
da Bíblia, em especial da história dos filhos de Noé. Séculos antes
de católicos e protestantes usarem seu texto para endossar práticas
escravagistas, judeus e muçulmanos já interpretavam o Antigo
Testamento assim. Os árabes foram os primeiros a escravizar negros
etíopes, criando um precedente para a escravidão ditada pela cor da
pele.

A própria Bíblia coloca em xeque essas interpretações, quando
descobrimos que a esposa de Moisés era negra. O bebê Moisés foi
salvo das águas por uma princesa egípcia, cuja aparência estava
mais para a da irmã de Barack Obama do que para a holandesa Nina
Foch, que interpretou a princesa no hollywoodiano "Os Dez
Mandamentos" de Cecil B. DeMille. E não podemos nos esquecer de que
José, Maria e o bebê Jesus encontraram abrigo entre os habitantes
do norte da África.

Mas o maior embaraço para qualquer caucasiano que pretenda usar a
Bíblia para justificar a supremacia branca está na história da
conversão do eunuco, oficial da rainha da Etiópia, no livro de
Atos. O primeiro não-judeu a se converter à fé cristã e a propagar
o cristianismo na África foi um negro. Numa época quando os
bárbaros brancos da Europa ainda ofereciam sacrifícios humanos aos
seus deuses, muitos africanos já falavam de Jesus.

A eleição de Barack Hussein Obama à presidência da maior potência
do planeta muda muita coisa. Para começar, será preciso rever
alguns conceitos de marca e pesquisas de opinião. Há alguns anos
qualquer pesquisa daria como zero a probabilidade de um negro ser
presidente dos EUA.

Depois do 11 de setembro, então, alguém chamado Hussein ou Obama
tinha mais chances de ir parar em Guantánamo do que na Casa Branca.
Ora, os norte-americanos chegaram até a boicotar a mostarda
French's, só porque os franceses não apoiaram a invasão do Iraque.
A questão é que "French" não vem de "francês", mas é o sobrenome do
criador da marca norte-americana de temperos.

O primeiro desafio de Obama foi vencer a segregação dos brancos.
Agora vai precisar vencer a decepção de alguns negros que esperam
uma reversão no tratamento preferencial. Ralph Nader, o perdedor
independente, já insinuou que Obama está mais para "Uncle Tom" do
que para "Uncle Sam". Lá a expressão "Uncle Tom" é pejorativa, e
significa um negro subserviente ao domínio do branco.

Venha o que vier, acho que Abraham Lincoln teria gostado de viver
estes dias. Ele, que combatia a escravidão, um dia encontrou um
político que reclamou de suas idéias. Lincoln argumentou mais ou
menos assim:

"Se você diz que o de pele mais clara pode escravizar o de pele
mais escura, é melhor tomar cuidado. Você pode acabar escravo do
primeiro que encontrar que tiver a pele mais clara do que a sua. Se
não for apenas uma questão de cor, mas de superioridade
intelectual, que você acredita ser característica dos brancos,
então você pode acabar escravizado por alguém mais inteligente do
que você."

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Mario Persona www.mariopersona.com.br é escritor, palestrante e
consultor de comunicação e marketing.

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

CRUCIFICADO PARA O MUNDO RELIGIOSO


T. Austin-Sparks

“Mas longe de mim esteja gloriar-me, a não ser na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo, pela qual o mundo está crucificado para mim, e eu para o mundo”. Gálatas 6.14

É interessante notar a maneira particular na qual o apóstolo Paulo fala a respeito deste mundo. O termo empregado é bastante abrangente e inclui muitas coisas. Aqui Paulo vai direto ao espírito da coisa. Você percebe isto pelo contexto; e é bom considerarmos o assunto: “Pois nem esses mesmos que se circuncidaram guardam a lei; mas querem que vos circuncideis, para se gloriarem na vossa carne.” Gálatas 6.13

O que o apóstolo quer significar? Eles falam, “Vejam quantos prosélitos temos feito! Vejam quantos seguidores e discípulos temos! Vejam o sucesso do nosso movimento! Vejam quão fortes estamos ficando no mundo! Vejam todas as bênçãos divinas repousando sobre nós!” O apóstolo diz que é experimentado nos princípios morais e espirituais deste mundo. Porém ele renuncia a tudo isso. “Procuro eu glória de homens?” “Procuro eu o favor dos homens?” “Não! O mundo está crucificado para mim, e eu para o mundo”.

Todas estas coisas não têm valor algum para mim. O que vale para mim não é se o meu movimento está tendo sucesso, se eu estou obtendo muitos seguidores; o que vale para mim é a medida de Cristo nos meus irmãos; “Meus filhos, pelos quais de novo sinto as dores do parto até que Cristo seja formado em vós” (Gal. 4.19)

Cristo formado em você – este é o meu interesse, diz Paulo, ...e não grandiosidade, popularidade, a fim de que digam ...este é um ministério de sucesso; um movimento de sucesso. Tudo isso é mundano. Eu estou morto para todas essas coisas; estou crucificado com Cristo para tudo isso. O que realmente importa é Cristo – a medida de Cristo em você.

Veja como o mundo avança gradualmente ... e como nós, imperceptivelmente, podemos nos deixar levar por essas coisas – pela maneira como as pessoas pensam e conversam; o que elas irão dizer, as atitudes que irão tomar, da medida de nossa popularidade, do nosso sucesso. Tudo isso é o mundo, diz o apóstolo; o espírito do mundo; é como o mundo age. Esses são os valores aos olhos do mundo, mas não aos olhos do Cristo ressurreto. Para a nova criação, que está do lado da ressurreição da cruz, uma só coisa determina o que tem valor: a medida de Cristo em tudo.

Absolutamente nada mais tem valor, não importa quão popular possa ser, quão favoravelmente os homens possam falar sobre; do lado da ressurreição isso tudo não tem qualquer importância. O que interessa é quanto de Cristo há. Você e eu, na cruz do Senhor Jesus, devemos chegar ao ponto onde estejamos crucificados para todas essas coisas. Ah, você pode ser impopular, e sua obra pode ser muito pequena. Podem não haver aplausos; e o mundo pode te desprezar; mas em tudo deve haver algo de Cristo, e é nisto que devemos colocar os nossos corações. O Senhor nos dá graça para esta crucificação. Há poucas coisas mais difíceis do que ser desprezado; mas Ele foi desprezado e rejeitado pelos homens. O que uma coisa representa perante os olhos do Senhor, isto deve ser o nosso padrão. É o padrão da ressurreição. Esta é a vitória da cruz:

“Mas longe de mim esteja me gloriar, a não ser na cruz de Cristo, pela qual o mundo está crucificado para mim, e eu para o mundo.” Gálatas 6.14

domingo, 2 de novembro de 2008

Caetano e Cristo


Quem pensa que sabe como são os africanos nunca imaginaria que Mia Couto fosse natural do continente negro. O romancista mais celebrado de Moçambique é branco, enche seus livros do realismo mágico da tradição latino-americana e tem um estilo que lembra Guimarães Rosa. Foi contado entre os melhores escritores africanos do século 20.

Em entrevista recente ao Estadão, perguntaram-lhe se há influência brasileira em sua literatura. Respondeu: “Sim. Ela veio justamente da música de Chico, de Caetano. Muitos músicos moçambicanos tinham tentado cantar em português, mas o português duro, rápido, de Portugal, não tinha musicalidade. Aí ouvimos Chico, Caetano, Gil e descobrimos que o português poderia ser outra coisa. Foi uma descoberta.”

Talvez tenha sido crítico demais ao português dos fadistas e trovadores, mas a descoberta de que a língua da mera comunicação corriqueira poderia ser também a língua da poesia e dos sonhos abriu-lhe um novo mundo. Muitos anos mais tarde, o comitê Nobel também reconheceu que a língua portuguesa possui a maleabilidade necessária para ser talhada por alguém com o talento de José Saramago. Aqueles que se importam com os idiomas enxergam na nossa gramática, nos nossos vocábulos e na nossa sintaxe as ferramentas para criar e perpetuar aquilo que só existe na língua. O português pode ser usado para emocionar, agregar e inspirar.

Como cristãos, temos o privilégio de servir e adorar a um Deus literário. A linguagem da Bíblia evidencia sua preocupação com a arte de expressar-se. Há nela não apenas a Verdade Revelada, mas as múltiplas verdades reveladas por meio de uma riqueza estonteante de poemas, acrósticos, canções, parábolas, paralelismos, hipérboles, metáforas, figuras de linguagem e artifícios da retórica. Não resta a menor dúvida de que Deus — o Verbo — se relaciona conosco através da Palavra, e que esta palavra tem forma intencional, bela e artística. Leland Ryken afirma que “os escritores da Bíblia e o próprio Jesus Cristo perceberam que é impossível comunicar a verdade de Deus sem usar os recursos da imaginação. A Bíblia faz muito mais que apenas sancionar o uso da arte. Ela demonstra que a arte é indispensável (“The Imagination as a Means of Grace”, Communiqué, 2003).

Penso, às vezes, que a linguagem usada em muitas igrejas é como o português “duro e rápido” que Mia Couto ouvia quando criança. É utilitária, descritiva e funcional, mas carece do tipo de imagística e musicalidade que despertam a alma. Como pastores e líderes, concentramo-nos no conteúdo de nossas doutrinas em detrimento de sua forma. Esquecemos que a Bíblia não divide a arte em sacra e secular. Nela, a arte possui valor igual tanto em ambientes de louvor quanto do cotidiano (Nm 21.16-18; Is 16.10; 52.8-9).

Como seria se nossos pastores se importassem tanto com a linguagem quanto se importam Chico, Caetano e Gil, assim também como Davi, Salomão e Jesus? Tenho a impressão que, se a poesia de nossas teologias saturasse as nossas palavras, os muitos Mias Coutos das nossas congregações de repente ouviriam algo diferente, algo novo, capaz de agarrar suas imaginações, inspirar-lhes e enviar-lhes correndo de volta à Palavra, fonte de nossa inspiração.

Mark Carpenter, na revista Ultimato.

Via PavaBlog